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sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Ditadura civil-militar no Brasil (1964 – 1985)

Ditadura civil-militar no Brasil (1964 – 1985)


Introdução

O golpe de Estado de abril 1964 representou uma ruptura na legalidade democrática que existia no Brasil desde 1946. A ênfase que os militares, apoiados pelo bloco multinacional-associado, deram à “caça as bruxas” procurava garantir a “revolução de 1964” (como propagaram os militares). Essa ênfase recairá na necessidade de eliminar o “comunismo ateu” do país e gerará disputas internas nas forças armadas. Os conflitos entre Estado e oposição, irá fechar as portas à participação política por vias institucionais, impedindo que muitos jovens prossigam seus estudos e sua vida legalmente. Nos anos seguintes, diversos agrupamentos de esquerda rompem com o “imobilismo” do PCB frente ao golpe e a ditadura. Influenciadas pelo “foquismo” cubano ou pelo “maoísmo” chinês estas organizações preparam a guerrilha rural pensando libertar o país da opressão da ditadura e/ou fazer uma revolução socialista no Brasil.

Como ressalta o sociólogo Marcelo Ridenti havia no país, na década de 1960, a utopia de que era possível fazer uma “Revolução”. Essa “utopia” estava presente não só no ideário das esquerdas (armadas ou não), mas inclusive no meio artístico e cultural. O contexto internacional parecia corroborar com essa ideia: Revolução Cubana; Revolução Cultural na China; Ofensiva do Tet no Vietnã, manifestações estudantis em diversos países do mundo, entre outros, davam a sensação de que era possível…

Traçado o caminho, seria necessário conseguir recursos e treinar militantes na luta armada nas cidades. De fato, ocorreu que a luta armada não conseguiu se implantar no campo (com exceção da Guerrilha do Araguaia do PC do B). Pior do que isso é a constatação de que o aparato de repressão/informação/tortura que ditadura montou, para “matar uma mosca com um martelo-pilão”, funcionou muito bem. Tortura física e psicológica, prisões, informação/contra informação, infiltração de agentes da repressão ou acordos que alguns militantes fizeram com os órgãos de repressão
acabassem por destruir as organizações armadas.

Um exemplo disso é a morte, em 23 de outubro de 1970, do segundo comandante da ALN  (Ação Libertadora Nacional) assassinado pela repressão: o militante e dirigente histórico Joaquim Câmara Ferreira (o “Toledo”). Desde a morte de Carlos Marighella em novembro de 1969, a ALN poderia ficar de sobreaviso em questões de segurança. Não foi o que aconteceu, pois “Toledo” foi vítima da delação de um ex-militante, isto é, “caiu” por causa de um acordo que este fez com a repressão, tornando-se agente infiltrado na ALN.



Contexto histórico

A ditadura militar brasileira não foi um fato isolado na história da América Latina. Na mesma época, regimes semelhantes nasceram de rupturas na ordem constitucional de outros países no subcontinente, tendo as Forças Armadas assumido o poder em acordo com a lógica da Guerra Fria.
O mundo estava dividido em dois grandes blocos. Um pólo era comandado pelos Estados Unidos e o outro pela União Soviética. Essa divisão de poder mundial teve como cenário de fundo o resultado da Segunda Guerra, com as potências vencedoras dividindo o planeta em duas grandes áreas de influência.
Num tabuleiro de apenas duas cores, o Brasil permaneceu na órbita da diplomacia norte-americana, assim como o restante dos países latino-americanos. A partir de 1959, a Revolução Cubana marcou profundamente a política exterior dos Estados Unidos que, logo após a aproximação entre Cuba e União Soviética, anunciaram não mais tolerar insurgências que desafiassem sua hegemonia na região. Para garantir que os governos da região permanecessem como aliados, os Estados Unidos apoiaram ou patrocinaram golpes militares de exacerbado conteúdo anticomunista.
Os países da região que haviam participado com tropas na Segunda Guerra Mundial, como o Brasil, lutando como aliados dos Estados Unidos e sob seu comando militar, iniciando aí uma cooperação operacional que avançaria nas décadas seguintes, gerando unidade de doutrinas, treinamento conjunto na formação de quadros e estreita identidade ideológica. No pós-guerra, essa divisão entre influência norte-americana ou soviética se estendeu pelos cinco continentes. Ocorreram algumas iniciativas de independência em política e diplomacia. Na América Latina, entretanto, essas iniciativas de autodeterminação avançaram pouco. Prevaleceu até o final do século 20 a atitude de alinhamento automático com as posições norte-americanas, com raras exceções.
Assim é que, no subcontinente, os anos 1960 e 1970 vão contabilizar um nítido fortalecimento, no âmbito do poder político, das forças que haviam resistido aos governos de orientação nacionalista dos anos 1950, como o de Vargas, no Brasil, Perón, na Argentina e vários outros. Como regra geral, os governantes das ditaduras latino-americanas buscam estreitar, no plano econômico, a associação com seus antigos aliados do capital externo, sob tutela militar nacional, e incorporam plenamente a estratégia norte-americana de contenção do comunismo, resumida pela "Doutrina de Segurança Nacional".
Com base nessa doutrina, foram decretadas no Brasil sucessivas Leis de Segurança Nacional, de conteúdo draconiano, que funcionaram como pretenso marco legal para dar cobertura jurídica à escalada repressiva (tortura, execuções etc.)
O espírito geral dessas três versões da Lei de Segurança Nacional indicava que o país não podia tolerar divergências internos e identificava a vontade da Nação e do Estado com a vontade do regime (militar). Se o alvo inicial eram apenas os opositores no plano partidário e na luta política clandestina, de fato a lei terminaria fulminando também as liberdades gerais e especificamente a de imprensa. Ao estabelecer que os jornais e emissoras de rádio e televisão deviam contribuir para o fortalecimento dos objetivos nacionais permanentes, abria caminho para proibi-los de divulgar críticas contra autoridades governamentais porque não poderiam indispor a opinião pública contra elas, gerando animosidade ou a chamada guerra psicológica adversa.


Ditaduras no Cone Sul


Esse contexto histórico regional trouxe, então, a generalização de regimes políticos repressivos em todos os países do Cone Sul: Brasil (1964), Argentina (1966 e 1976), Uruguai (1973), Chile (1973). O controle da classe trabalhadora pautou-se por forte coerção sobre os sindicatos, quando não por intervenções diretas e prisão ou assassinato das lideranças. Em quase todos os casos, os partidos políticos preexistentes foram extintos e o parlamento submetido a severas limitações,  quando não simplesmente fechado.
A Argentina passou por um primeiro governo ditatorial entre 1966 e 1973, mas foi no segundo período de regime militar, iniciado em 24 de março de 1976, que as cifras da violência repressiva atingiram patamares sem precedentes. A recuperação da democracia, a partir de 1983, após o desastre nacional causado pela aventura dos ditadores na Guerra das Malvinas, teve de considerar um espantoso saldo de sequestros, torturas e assassinatos por parte de agentes estatais, quando os Direitos Humanos foram violados em larga escala. Estima-se em cerca de 30 mil o total de mortos e desaparecidos entre os que resistiram ao regime.
No Uruguai, que antes se orgulhava de ser um país de longa convivência política democrática, os militares foram assumindo crescente controle sobre as autoridades civis já no final dos anos 1960. Mantiveram J. M. Bordaberry desde 1971 como presidente fantoche e passaram a exercer plenamente o poder ditatorial a partir de junho de 1973
No Chile, a ditadura comandada por Augusto Pinochet instituiu a violência de Estado como norma de conduta desde o primeiro momento do golpe contra o governo constitucional, começando pela execução do presidente Salvador Allende no próprio palácio presidencial de La Moneda, em 11 de setembro de 1973. O período em que a Unidade Popular governou o Chile, entre fins de 1970 e setembro de 1973 tinha sido marcado por crescente ganhos dos trabalhadores e a ditadura Pinochet (1973 – 1991) atacou esses direitos de forma violenta, aplicando o neoliberalismo de R. Reagan (EUA) e M. Tatcher (Inglaterra).
Em meados da década de 1970, os regimes militares desses Brasil, Chile Argentina Uruguai e Paraguai articularam uma integração operacional de seus órgãos de repressão política para intercâmbio de inteligência e para efetuar prisões, seqüestros, atentados com explosivos ou mesmo executar militantes das organizações políticas que atuavam na resistência à ditadura em seus respectivos países. Idealizada pelo coronel Manuel Contreras, chefe da DINA, a polícia política de Pinochet, a chamada Operação Condor matou dezenas de pessoas que eram inconvenientes para as ditaduras da América Latina.
No início do século 21, superados os governos repressivos dos cinco países do Cone Sul, estão em andamento processos judiciais no Chile, na Argentina, no Uruguai e mesmo no Paraguai, que buscam responsabilizar altas autoridades e torturadores do período ditatorial naqueles países.
O Brasil é o único país do Cone Sul que não trilhou procedimentos semelhantes para examinar as violações de Direitos Humanos ocorridas em seu período ditatorial, mesmo tendo oficializado, com a Lei nº 9.140/95, o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelas mortes e pelos desaparecimentos denunciados.



Fases do Regime Militar no Brasil

O regime militar brasileiro de 1964 - 1985 atravessou pelo menos três fases distintas:
a) A primeira foi a do Golpe de Estado, em abril de 1964, e consolidação do novo regime.
b) A segunda começa em dezembro de 1968, com a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), desdobrando-se nos chamados anos de chumbo, em que a repressão atingiu seu mais alto grau.
c) A terceira se abre com a posse do general Ernesto Geisel, em 1974 – ano em que, paradoxalmente, o desaparecimento de opositores se torna rotina –, iniciando-se então uma lenta abertura política que iria até o fim do período de exceção/ditatorial.

Na fase inicial, o setor das Forças Armadas que prevaleceu na disputa interna para comandar o aparato estatal foi o proveniente da Escola Superior de Guerra (ESG). Inspirada no similar National War College norte-americano. A ESG nasceu em 1949 sob o comando do Estado-Maior das Forças Armadas. Sua orientação era marcada por forte ideologia anticomunista, que se traduziu na mencionada Doutrina de Segurança Nacional, com base na qual se construiu o aparato capaz de controlar toda a vida política no país e formar quadros para ocupar cargos de direção no novo governo. O grupo de oficiais da ESG também montou o Serviço Nacional de Informações (SNI), um dos pilares da ditadura, concebido pelo principal teórico do regime, o general Golbery do Couto e Silva. A ESG e o SNI desenvolveram um papel político fundamental na implantação e defesa do governo de exceção.



A escalada repressiva

A Doutrina de Segurança Nacional, idealizada em grande parte por Golbery, foi uma tentativa de fundamentar conceitualmente a suspensão das garantias constitucionais, a limitação das liberdades individuais, a introdução da censura aos meios de comunicação e a repressão aos que se opunham por meio de atividades clandestinas. A defesa do "cristianismo ocidental" foi usada como pretensa inspiração dessa doutrina.
A Doutrina de Segurança Nacional se assentava na tese de que o inimigo da Pátria não era mais externo, e sim interno. Não se tratava mais de preparar o Brasil para uma guerra tradicional, de um Estado contra outro. O inimigo poderia estar em qualquer parte, dentro do próprio país, ser um "nacional". Para enfrentar esse novo desafio, era urgente estruturar um novo aparato repressivo. As Forças Armadas passaram a se adaptar para enfrentamento de uma guerra de guerrilhas.
Assim, já no final de 1969, estava caracterizada a instalação de um aparelho de repressão que assumiu características de verdadeiro poder paralelo ao Estado no país. Seus agentes podiam utilizar os métodos mais sórdidos, mas contavam com o manto protetor representado pelo AI-5 e pela autoridade dos mandatários militares, incluindo-se aí a suspensão do direito de habeas-corpus, a formalização de decretos secretos, prisão perpétua e até mesmo a pena de morte para opositores envolvidos em ações armadas que tivessem causado morte. 
Remanescentes do Grupo Permanente de Mobilização Industrial, responsável pela articulação do setor empresarial nos preparativos do Golpe de Estado de 1964, colaboraram financeiramente para a reestruturação do aparato repressivo, inicialmente de forma semiclandestina.
O primeiro Ato Institucional, abril de 1964, desencadeou a primeira avalanche repressiva, materializada na cassação de mandatos, suspensão dos direitos políticos, demissão do serviço público, expurgo de militares, aposentadoria compulsória, intervenção em sindicatos e prisão de milhares de brasileiros.
Entre 1969 e 1976, a estrutura do sistema repressivo adquiriu o formato de uma ampla pirâmide, tendo como base as câmaras de interrogatório e, no vértice, o Conselho de Segurança Nacional. O SNI tinha sido criado em junho de 1964 para recolher e processar todas as informações de interesse da segurança nacional. Seu comandante, com status de ministro, mantinha encontros diários com o presidente da República e tinha uma grande influência sobre as decisões políticas do governo. Apesar do grande aparato montado, o serviço de inteligência não conseguiu responder com eficiência às expectativas do governo num primeiro momento. Para melhorar a eficácia repressiva, surgiu a necessidade de uma integração completa entre os organismos da repressão, ligados aos ministérios do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, à Polícia Federal e às polícias estaduais. Em São Paulo, foi montada, em 1969, uma operação piloto que visava a coordenar esses serviços, chamada Operação Bandeirante (OBAN). Não era formalmente vinculada ao II Exército, mas estava, de fato, sob a chefia de seu comandante, o general Canavarro Pereira. A OBAN foi composta de efetivos do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, da Polícia Política Estadual, do Departamento de Polícia Federal, da Polícia Civil, da Força Pública, da Guarda Civil e até de civis paramilitares.
A experiência da OBAN como centralizadora das ações repressivas em São Paulo foi aprovada pelo regime militar, que resolveu estender seu formato a todo o País. Nasceu então o Destacamento de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa Interna, lembrado ainda hoje pela temível sigla DOI-CODI, que formalizou no âmbito do Exército um comando englobando as três Armas.
Com dotações orçamentárias próprias e chefiado por um alto oficial do Exército, o DOI-CODI assumiu o primeiro posto na repressão política no país. No entanto, os Departamentos de Ordem Política e Social (DOPS) e as delegacias regionais da Polícia Federal, bem como o Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA) e o Centro de Informações da Marinha (CENIMAR) mantiveram ações repressivas independentes, prendendo, torturando e eliminando opositores, por meio dos interrogatórios com torturas, das investigações sigilosas, da escuta telefônica, do armazenamento e processamento de informações sobre atividades consideradas subversivas (desde simples reivindicações salariais e pregações religiosas, até as formas de oposição por métodos militares).



A resistência

Ao longo dos 21 anos de regime de exceção, em nenhum momento a sociedade brasileira deixou de manifestar seu sentimento de oposição, pelos mais diversos canais e com diferentes níveis de força. Já nas eleições de 1965, adversários do regime venceram a disputa para os governos estaduais de Minas Gerais e da Guanabara, levando os militares a decretar em outubro o Ato Institucional nº 2 (AI-2), que eliminou o sistema partidário existente e forçou a introdução do bipartidarismo: ARENA (Aliança Renovadora Nacional, partido pró-ditadura) e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro).
A União Nacional dos Estudantes (UNE) foi atingida com dureza já nos primeiros dias do novo governo, quando a sede da foi incendiada na Praia do Flamengo, Rio de Janeiro. O Movimento Estudantil começou a se manifestar com energia a partir de 1965, em todo o País. A UNE desafiou abertamente a proibição das entidades estudantis autênticas, imposta pelo regime. Essas manifestações cresceriam até atingir seu auge nas grandes passeatas de 1968, entrando em refluxo após a decretação do AI-5, em dezembro daquele ano, para voltar a crescer novamente a partir de 1977. Em fevereiro de 1969, o governo Costa e Silva chegou a baixar um dispositivo específico para reprimir a oposição política e a atividade crítica nas universidades, o Decreto nº 477, que previa o desligamento de estudantes, professores e funcionários envolvidos em atividades subversivas.
Os sindicatos de trabalhadores, fortemente golpeados pelo regime já nos primeiros dias de abril de 1964, conseguiram se reerguer gradualmente e realizar importantes greves em 1968, em Osasco (SP) e Contagem (MG), retornando a um patamar de fermentação discreta até atingir novo salto em 1978, quando no ABC paulista,voltam as mobilizações de trabalhadores que dariam início à construção de um novo sindicalismo no Brasil.
A área intelectual e artística representou outro pólo de resistência. A música, o cinema, o teatro, a literatura, distintos segmentos da vida cultural brasileira tornaram-se arena de contestação ao regime autoritário, agindo muitas vezes como ousada trincheira que exigia o resgate da liberdade de criação. O setor enfrentou, como represália, períodos de vigorosa censura e mesmo a prisão de grandes expoentes artísticos, em especial nas semanas que se seguiram à decretação do AI-5.
No contexto de endurecimento do regime, algumas organizações partidárias de esquerda optaram pela luta armada como estratégia de enfrentamento do poder dos militares. Nasceram diferentes grupos guerrilheiros, compostos por estudantes em sua grande maioria, mas incluindo também antigos militantes comunistas, militares nacionalistas, sindicalistas, intelectuais e religiosos. Essas organizações político-militares adotaram táticas de assalto a bancos, seqüestro de diplomatas estrangeiros para resgatar presos políticos, atentados a quartéis e outras modalidades de enfrentamento, o que, por sua vez, também produziu algumas vítimas entre agentes dos órgãos de segurança e do Estado.
A escalada repressiva sobre os estudantes deu novo salto a partir de 28 de março de 1968, quando policiais dispararam contra manifestação que protestava pelo fechamento  do restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, matando o secundarista Edson Luís Lima Souto. Ao funeral compareceram 50 mil pessoas, ocorrendo dezenas ou centenas de prisões. Dias depois, a cavalaria da Polícia Militar invadiu a igreja da Candelária, onde se realizava a missa de sétimo dia, com a presença de milhares de estudantes. Em 21 de junho, a violência cresceu ainda mais no Rio de Janeiro. Forças policiais reprimiram passeata estudantil que reivindicava mais verbas para o ensino, restando um saldo de quatro mortos, num episódio que foi registrado na imprensa como “sexta-feira sangrenta”. No dia 26 de junho, artistas, intelectuais, religiosos, trabalhadores, estudantes, centenas de mães e a população de um modo geral se uniram na “Passeata dos Cem Mil”. Passeatas estudantis se repetiram em quase todos os estados do Brasil naquele período. Em outubro, estudantes da USP, na rua Maria Antonia, enfrentaram a polícia e alunos da Universidade Mackenzie, sede do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), resultando na morte de outro secundarista, José Guimarães. No dia 12 de outubro, a polícia invadiu um sítio em Ibiúna, no interior se São Paulo, onde se realizava, clandestinamente, o 30º Congresso da UNE, prendendo os participantes (quase 1.000 pessoas), incluindo-se aí a quase totalidade de suas lideranças estudantis nacionais.
No final daquele ano. O governo pediu licença ao Legislativo para processar o deputado federal Márcio Moreira Alves, do MDB, que havia discursado da tribuna da Câmara denunciando a violência policial e militar exercida contra as passeatas estudantis. Mas o parlamento brasileiro não se curvou à exigência e essa negativa foi utilizada pelo regime como pretexto final para a decretação do AI-5, em 13 de dezembro. O AI-5 foi considerado um verdadeiro “golpe dentro do golpe”. O Congresso Nacional foi fechado, as cassações de mandatos foram retomadas, a imprensa passou a ser completamente censurada, foram suspensos os direitos individuais, inclusive o de habeas-corpus. O Conselho de Segurança Nacional teve seus poderes ampliados e a chamada "Linha Dura" assumiu o controle completo no interior do regime. Essa era composta por setores das três Armas que rejeitavam qualquer moderação ou tolerância quanto às oposições. Nessa dinâmica, o governo tinha retirado até mesmo lideranças políticas que foram grandes nomes da mobilização pela deposição de João Goulart, como Carlos Lacerda e vários outros.
A partir daí, as ações de guerrilha urbana, já iniciadas antes do AI-5, se volumaram nitidamente até setembro de 1969, quando o sequestro do embaixador norte-americano no Brasil, Charles Burke Elbrick significou uma desmoralização do poderio repressivo do regime e, ao mesmo tempo uma convocação para que ele fosse redobrado.
Em setembro de 1969 o general Médici iniciou seu governo abrindo a fase de repressão mais extremada em todo o ciclo de 21 anos do regime militar. A partir de então, num clima de verdadeiro “terror de Estado”, o regime lançou ofensiva fulminante sobre os grupos armados de oposição, que tinham imposto uma derrota desmoralizante aos militares que cederam no seqüestro do embaixador norte-americano, trocando-o pela libertação de 15 prisioneiros políticos. Daí em diante concentrou seu fogo, em primeiro lugar, contra as organizações que agiam nas grandes capitais: ALN, MR-8, PCBR, Ala Vermelha, VPR, VAR-Palmares e muitas outras. Entre 1972 e 1974, combateu e exterminou uma base guerrilheira que o PC do B mantinha em treinamento na região do Araguaia desde 1966. Entre 1975 e 1976 aniquilou 11 integrantes do Comitê Central do PCB e, em dezembro de 1976, cercou uma casa onde se reunia a direção do PC do B, matando três dirigentes e prendendo quase toda a direção daquele partido.
Num computo final, a violência repressiva não poupou as organizações clandestinas que não tinham aderido à luta armada, e nem mesmo religiosos que se opuseram ao regime sem filiação a qualquer organização. Os presídios ficaram superlotados e as listas denunciando mortes sob torturas pularam de algumas dezenas de opositores, em 1962, para várias centenas, em 1979, ano da Anistia.
A temática dos Direitos Humanos, que antes da ditadura era um elemento quase ausente na agenda política nacional, passa a representar um ponto de vulnerabilidade do regime. Acumulam-se e se tornam cada vez mais confiáveis as denúncias sobre torturas relatadas pelos presos que sobreviveram. Cresce o desgaste da imagem do Brasil no exterior e, principalmente, a pressão que a hierarquia da Igreja Católica exerce em torno do assunto.
No final de 1973, último ano de Médici, já estava evidente o esgotamento do chamado “Milagre Brasileiro”, ciclo de cinco anos com forte crescimento do PIB, e os grupos militares de origem castellista conseguiram recuperam força, impondo Ernesto Geisel como próximo presidente. No momento de sua posse, em março de 1974, os órgãos de repressão já tinham logrado êxito no combate aos grupos de guerrilha urbana e desenvolviam a última campanha militar de aniquilamento contra os militantes do PC do B no Araguaia.
Quando, o PCB se tornou o alvo principal do aparelho repressivo, em 1974 e 1975, os órgãos de segurança eliminaram fisicamente a quase totalidade de seu Comitê Central, sem fazer qualquer anúncio público. O regime manteve completo silêncio sobre esses “desaparecimentos”...


A distensão

Ernesto Geisel assumiu a Presidência da República em março de 1974, anunciando um projeto de "distensão lenta, gradual e segura". Cinco anos depois, ao transmitir o posto ao general João Baptista Figueiredo, entregaria ao sucessor um regime ainda não democrático, mas onde a repressão política era menos acentuada. Estaria abolido o AI-5, a liberdade de imprensa vinha sendo devolvida aos poucos, as propostas de anistia eram debatidas abertamente e preparava uma proposta de reforma partidária extinguindo o bipartidarismo forçado.
No entanto, é certo que nos três primeiros anos de Geisel, os interrogatórios mediante tortura e a eliminação física dos opositores políticos continuaram sendo rotina. O desaparecimento de presos políticos, que antes era apenas uma parcela das mortes ocorridas, torna-se regra predominante para que não ficasse estampada a contradição entre discurso de abertura e a repetição sistemática das velhas notas oficiais simulando atropelamentos, tentativas de fuga e falsos suicídios. Em outubro de 1975, o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado sob torturas no DOI-CODI de São Paulo, valendo o episódio como gota d’água para que aflorasse um forte repúdio da opinião pública, na imprensa e na sociedade civil como um todo, contra a repetição de encenações aviltantes (“suicídio”) para tentar encobrir a verdadeira rotina dos "porões" do regime. Três meses depois, no mesmo DOI-CODI de São Paulo, é assassinado sob torturas o operário metalúrgico Manuel Fiel Filho, sendo expedida, mais uma vez, nota oficial com a inacreditável versão de suicídio. Mas, pela primeira vez na história do regime militar, o presidente decide agir contra os porões e demite do Comando do II Exército o general Ednardo D’Ávila Mello. Abre-se, então, um confronto claro entre Geisel e militares da linha dura, que só terminaria com a queda de Sylvio Frota do comando do Exército, em outubro do ano seguinte.
Antes disso, em abril de 1977, o regime militar volta a decretar o fechamento do Congresso Nacional para editar o Pacote de Abril, conjunto de medidas para conter o fortalecimento do MDB, que tinha colhido um surpreendente crescimento nas urnas em 1974. Repete-se, assim, o expediente antidemocrático utilizado no ano anterior, quando foi editada a Lei Falcão, destinada a prejudicar os candidatos da oposição nas eleições municipais daquele ano. O Pacote de Abril introduziu a absurda figura do senador biônico, empossado pelo regime sem eleição alguma.
Apesar de todos os expedientes arbitrários, o governo militar sofreu outro revés nas urnas de 1978, com novo salto no fortalecimento do MDB, partido que nessa altura de sua trajetória contava com uma importante ala de “autênticos”, designação assumida por deputados e senadores que denunciavam as violações de Direitos Humanos e eram intransigentes no embate parlamentar contra a Arena, sendo muitos deles ligados às lutas sindicais e populares que vinham crescendo no cenário de abertura.
Em julho de 1977, a cassação de mandato voltou a atingir a figura do líder do MDB na Câmara dos Deputados. A violência do regime militar contra o deputado paranaense Alencar Furtado era resposta ao pronunciamento feito por ele no programa partidário do MDB, em cadeia nacional, quando abordou o tema dos desaparecidos de maneira contundente: “Hoje, menos que ontem, ainda se denunciam prisões arbitrárias, punições injustas e desaparecimento de cidadãos. O programa do MDB defende a inviolabilidade dos direitos da pessoa humana para que não haja lares em prantos; filhos órfãos de pais vivos – quem sabe? Mortos talvez. Os órfãos do talvez e do quem sabe. Para que não haja esposas que enviúvem com maridos vivos, talvez, ou mortos, quem sabe? Viúvas do quem sabe e do talvez”.



Anistia e fim do regime militar

No âmbito político, 1979 é o ano da Anistia, que foi aprovada em 28 de agosto, envolvendo questões polêmicas como, por exemplo, incorporando uma interpretação política (e polêmica) do conceito jurídico de “crimes conexos” para beneficiar agentes do Estado envolvidos na prática de torturas e assassinatos.
A Lei de Anistia possibilitou o retorno de lideranças políticas que estavam exiladas, o que trouxe novo impulso ao processo de redemocratização. Nesse mesmo ano, foi aprovada a reformulação política que deu origem ao sistema partidário em vigência até os dias de hoje.
Desde 1978, no entanto, vinham se repetindo atentados a bomba, invasões ou depredações de entidades de caráter oposicionista, jornais e mesmo bancas de revista, cuja autoria sempre foi interpretada como só podendo caber aos integrantes do aparelho de repressão.
Na medida em que, até hoje, nunca o Brasil foi informado oficialmente sobre a verdadeira radiografia do aparato de repressão, incluindo dados sobre sua história, estruturação interna, orçamento e, sobretudo, sobre as datas e cronograma de seu desmantelamento ou reestruturação, ainda prevalecem incertezas e interpretações discordantes a respeito de quem foram os responsáveis por esses atos.
Em 30 de abril de 1981, parece ter se confirmado de forma inequívoca a existência de algum tipo de braço clandestino da repressão ainda operando plenamente. Dois membros do DOI-CODI do Rio de Janeiro sofreram um acidente, quando preparavam atentado terrorista no Riocentro, durante um show de música popular em comemoração ao 1º de Maio. A bomba explodiu no carro em que estava um capitão e um sargento, ambos do Exército, morrendo um e ficando gravemente ferido o outro. O inquérito instaurado pelo regime foi encerrado com conclusões absurdas pois o presidente João Baptista Figueiredo não tinha força e não quis repetir, no caso, a atitude firme de Geisel, cinco anos antes, no episódio Manuel Fiel Filho.
Nas eleições de 1982, que marcaram a estréia das novas siglas partidárias – PMDB, PDS, PTB, PDT e PT –, as oposições conquistam o governo estadual em vários estados, destacando-se São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A sociedade brasileira queria mais. Entre novembro de 1983 e o abril de 1984, uma grande pressão popular exigiu eleições diretas para presidente, mobilizando milhões de pessoas em passeatas e comícios (1,5 milhão em São Paulo, por exemplo). Essa campanha, conhecida como “Diretas Já”, não logrou vitória na votação da Emenda Dante de Oliveira, mas apressou o fim do regime militar.
No Colégio Eleitoral reunido em janeiro de 1985, o mineiro Tancredo Neves foi eleito presidente, mas uma “grave enfermidade” impediu sua posse vindo a falecer. Foi empossado o vice, José Sarney, senador do Maranhão que havia pertencido à Arena, partido da ditadura.
Em maio desse ano os partidos comunistas foram legalizados, os analfabetos foram admitidos na cidadania plena com o direito ao voto, algumas restrições da Anistia de 1979 foram revisadas e abriu-se amplo debate sobre o caminho mais adequado para que o Brasil pudesse finalmente escrever uma verdadeira Constituição democrática. Promulgada outubro de 1988, a Carta que Ulisses Guimarães batizou como “Constituição Cidadã” definiu o país como uma democracia representativa e participativa, fixando, no artigo 1º, que o Estado Democrático de Direito tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. O Brasil voltou às urnas em 1989 para eleger livremente o presidente da República, pela primeira vez em quase 30 anos. O País mostrou-se capaz de superar gravíssimas crises políticas, como a que levou ao impeachment do presidente Collor, em 1992.
Ao ingressar no século 21, o Brasil se revela portador de todos os ingredientes de uma democracia política. Reúne, portanto, condições para superar os desafios ainda restantes à efetivação de um robusto sistema de proteção aos Direitos Humanos.