Vida e criminalidade: São Paulo e Rio
na virada do século 19 para o 20
Vamos
analisar agora as condições de vida desses trabalhadores no início deste
século. Primeiramente, lembre-se, em S. Paulo havia uma grande massa de
italianos (cerca de 70%), e 30% de nacionais e outros, enquanto que no RJ, havia
uma separação bem clara (às vezes até racista) entre portugueses, negros e
mulatos, seguidos por espanhóis e outros.
Entravam
no Estado de SP uma quantidade de pessoas muito grande, vindas do exterior.
Havia muitos trabalhadores aqui, então os salários eram baixos. Em 1904, o
jornal anarquista dos operários de São Paulo “La Bataglia” advertia em matéria intitulada “Trabalhadores da Europa, não venham para o Brasil” que aqui: “só há
trabalho para os que se submetem a ser bestas de carga por um salário
irrisório”; ou que “não é verdade que aqui há trabalho para todos”, pois “os
patrões obrigam a trabalhar e não pagam”. Outro detalhe, a produção de café,
depois de ter passado por uma crise no fim do século XIX, estava no início
deste século aumentando em pés plantados. Os cafeicultores exigiam cada vez
mais do governo, a entrada de mão-de-obra para a lavoura.
Pelo
fato de que “no Brasil, não existe nenhuma garantia para o operário e muito
menos para o estrangeiro”, e ainda, é mentira que “são dadas garantias aos
estrangeiros” (La Bataglia) muitos dos que entravam, fugiam das fazendas
constantemente e, destes, muitos iam para a cidade de S. Paulo. Na virada do
século, a cidade era apenas um montinho de casas sem lojas de comércio, ruas
asfaltadas, iluminação pública, enfim S. Paulo era um amontoado de casas
cercado por sítios !! A vinda de milhares de pessoas para essa região, aliada
aos que já moravam aqui e ganhavam salários baixíssimos e por isso, viviam em
cortiços, ocasionou a aglomeração dos trabalhadores em uma condição de pobreza
muito grande. O La Bataglia não deixa de advertir que “há mais gente que morre
de fome do que se possa imaginar, há misérias que o velho mundo ignora
totalmente”.
Trabalho
nas firmas (ainda artesanais) ou no pequeno comércio não existia para todos. Se
fizermos uma comparação com o Rio de Janeiro, veremos que: lá estavam a maioria
das indústrias do país; o comércio era mais intenso que aqui devido ao próprio
porto da cidade (enquanto que S. Paulo era local de passagem das safras de café
que seriam embarcadas em Santos); e o RJ era a capital do país (mesmo assim,
você já viu que lá houve a Revolta da Vacina e que as condições de vida na
cidade maravilhosa não eram nada maravilhosas assim). Agora imagine como era S.
Paulo !!
Além
da condição de pobreza, a população das duas maiores cidades do país não tinha
escolas, estando sujeita ao desconhecimento das causas de muitas doenças.
Porém, como você já viu no estudo sobre a Revolta da Vacina, as elites agrárias
e industriais queriam que os trabalhadores vivessem ao modo da burguesia,
tirando-lhes a liberdade e reprimindo qualquer forma de manifestação que não
fosse agradável à burguesia.
Como
advertiu o Jornal anarquista La Bataglia, “a vida e a liberdade dos cidadãos [...está]
à mercê de uma Polícia feroz, selvagem, que rouba, violenta, mata impunemente,
movida apenas pelo instinto de mando e pelo hábito da roubalheira”.
Sobre
a polícia, podemos acrescer que em muitos casos só prendia para dar um susto,
sem processar os detidos. Isso revela o objetivo das prisões como instrumento
de controle social. Comum também eram as prisões para “verificação”, que
revelam uma preocupação com a ordem pública e as normas do trabalho. Outra
preocupação era a “capoeiragem” na
cidade do Rio de Janeiro depois da abolição e da Revolta da Vacina. Esse é um
exemplo de repressão a uma camada social específica, discriminada pela cor.
Em
S. Paulo, as autoridades aproveitaram de certas ocasiões para a adoção de medidas
repressivas para “limpar” a cidade. Das pessoas presas na cidade entre 1.904 e
1.906, negros e mulatos são presos em proporção maior a que todos os outros
grupos na cidade, sendo que o maior número era de negros detidos. A ideia de
inferioridade da cor negra aparece na boca de testemunhas que são negras ou
mulatas. Nas idéias do povo, estão ligados o negro e o ócio e a violência. Uma
das estratégias poluidoras das imagens dos acusados brancos nos crimes sexuais
era criar uma referência à sua “amizade com pretos”, “ter-se abrigado na casa
de uma preta”, etc.