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domingo, 17 de maio de 2020

Vida e criminalidade: São Paulo e Rio na virada do século 19 para o 20


Vida e criminalidade: São Paulo e Rio na virada do século 19 para o 20


Vamos analisar agora as condições de vida desses trabalhadores no início deste século. Primeiramente, lembre-se, em S. Paulo havia uma grande massa de italianos (cerca de 70%), e 30% de nacionais e outros, enquanto que no RJ, havia uma separação bem clara (às vezes até racista) entre portugueses, negros e mulatos, seguidos por espanhóis e outros.
Entravam no Estado de SP uma quantidade de pessoas muito grande, vindas do exterior. Havia muitos trabalhadores aqui, então os salários eram baixos. Em 1904, o jornal anarquista dos operários de São Paulo “La Bataglia” advertia em matéria intitulada “Trabalhadores da Europa, não venham para o Brasil” que aqui: “só há trabalho para os que se submetem a ser bestas de carga por um salário irrisório”; ou que “não é verdade que aqui há trabalho para todos”, pois “os patrões obrigam a trabalhar e não pagam”. Outro detalhe, a produção de café, depois de ter passado por uma crise no fim do século XIX, estava no início deste século aumentando em pés plantados. Os cafeicultores exigiam cada vez mais do governo, a entrada de mão-de-obra para a lavoura.
Pelo fato de que “no Brasil, não existe nenhuma garantia para o operário e muito menos para o estrangeiro”, e ainda, é mentira que “são dadas garantias aos estrangeiros” (La Bataglia) muitos dos que entravam, fugiam das fazendas constantemente e, destes, muitos iam para a cidade de S. Paulo. Na virada do século, a cidade era apenas um montinho de casas sem lojas de comércio, ruas asfaltadas, iluminação pública, enfim S. Paulo era um amontoado de casas cercado por sítios !! A vinda de milhares de pessoas para essa região, aliada aos que já moravam aqui e ganhavam salários baixíssimos e por isso, viviam em cortiços, ocasionou a aglomeração dos trabalhadores em uma condição de pobreza muito grande. O La Bataglia não deixa de advertir que “há mais gente que morre de fome do que se possa imaginar, há misérias que o velho mundo ignora totalmente”.
Trabalho nas firmas (ainda artesanais) ou no pequeno comércio não existia para todos. Se fizermos uma comparação com o Rio de Janeiro, veremos que: lá estavam a maioria das indústrias do país; o comércio era mais intenso que aqui devido ao próprio porto da cidade (enquanto que S. Paulo era local de passagem das safras de café que seriam embarcadas em Santos); e o RJ era a capital do país (mesmo assim, você já viu que lá houve a Revolta da Vacina e que as condições de vida na cidade maravilhosa não eram nada maravilhosas assim). Agora imagine como era S. Paulo !!
Além da condição de pobreza, a população das duas maiores cidades do país não tinha escolas, estando sujeita ao desconhecimento das causas de muitas doenças. Porém, como você já viu no estudo sobre a Revolta da Vacina, as elites agrárias e industriais queriam que os trabalhadores vivessem ao modo da burguesia, tirando-lhes a liberdade e reprimindo qualquer forma de manifestação que não fosse agradável à burguesia.
Como advertiu o Jornal anarquista La Bataglia, “a vida e a liberdade dos cidadãos [...está] à mercê de uma Polícia feroz, selvagem, que rouba, violenta, mata impunemente, movida apenas pelo instinto de mando e pelo hábito da roubalheira”.
Sobre a polícia, podemos acrescer que em muitos casos só prendia para dar um susto, sem processar os detidos. Isso revela o objetivo das prisões como instrumento de controle social. Comum também eram as prisões para “verificação”, que revelam uma preocupação com a ordem pública e as normas do trabalho. Outra preocupação era a “capoeiragem” na cidade do Rio de Janeiro depois da abolição e da Revolta da Vacina. Esse é um exemplo de repressão a uma camada social específica, discriminada pela cor.
Em S. Paulo, as autoridades aproveitaram de certas ocasiões para a adoção de medidas repressivas para “limpar” a cidade. Das pessoas presas na cidade entre 1.904 e 1.906, negros e mulatos são presos em proporção maior a que todos os outros grupos na cidade, sendo que o maior número era de negros detidos. A ideia de inferioridade da cor negra aparece na boca de testemunhas que são negras ou mulatas. Nas idéias do povo, estão ligados o negro e o ócio e a violência. Uma das estratégias poluidoras das imagens dos acusados brancos nos crimes sexuais era criar uma referência à sua “amizade com pretos”, “ter-se abrigado na casa de uma preta”, etc.