A “Revolta da Vacina” (Rio de Janeiro, 1904)
O nome da revolta foi colocado intencionalmente pelas
elites para parecer que era uma revolta contra a vacina (isto é, algo bom);
isso faz o povo parecer como ignorante e que brigava por causas bobas. As
elites queriam desmerecer os movimentos populares...
Motivos da Revolta:
A cidade do Rio de Janeiro, naquela época de começo da
industrialização, tinha uma densidade demográfica maior que a de São Paulo. O
prefeito, Pereira Passos, tentou realizar reformas de cunho burguês para
transformar o RJ, uma cidade colonial, em uma cidade burguesa, nos moldes de
Paris da “Bélle Époque”, isto é, se adequando ao capitalismo e à “modernidade”.
Para construir os Boulevards, a prefeitura deveria destruir muita coisa, para favorecer
a circulação de mercadorias e reproduzir a estética da cidade parisiense. A
intenção da prefeitura era construir a Avenida Rio Branco (atual Getúlio
Vargas) ligando as fazendas produtoras de café ao porto.
Outro motivo da revolta foi o choque cultural entre
duas formas distintas de ver o tratamento de doenças e enfermidades: a medicina
popular e a medicina social. A primeira era o conhecimento que vinha dos
caipiras, dos negros, dos nativos, dos sertanejos etc. e se baseava em chás,
ervas, xaropes caseiros e outras “beberagens” etc. Era homeopática, pois era
constituída por tratamentos de cura lenta, mas que não agrediam o corpo, a saúde.
A segunda era capitalista e alopática (cura rápida pelo uso de drogas pesadas/antibióticos
que sempre deixam “marcas” no corpo de seu usuário) e visava devolver o “paciente”
ao trabalho o mais rápido possível (afinal, numa economia capitalista, “tempo e
dinheiro”) e trata o doente como “paciente”, isto é, como alguém que não tem
voz ativa, enquanto o “Doutor” (médico chamado assim por mero formalismo) é o
portador da “verdade”.
Outro aspecto era o fato de que não havia à época
nenhuma explicação de como a vacina funcionava, por que ela era importante etc.
Não haviam grandes meios de comunicação de massa que atingissem a maioria da
população (até por que a grande maioria das pessoas pobres era analfabeta e não
tinha acesso aos jornais). Também não
havia no país um sistema escolar que pudesse levar as informações ao povo. O
governo da época, na realidade, tratou a população como ignorantes que deveriam
ser vacinados de qualquer forma. Por isso, a campanha de vacinação obrigatória
(aos pobres!) do Dr. Oswaldo Cruz. Nesta, o ato de vacinação era truculento e
desrespeitoso a alguns costumes da época (como fazer as mulheres mostrarem o
braço – visto como parte sexuada do corpo). Algumas pessoas também morriam
depois de vacinadas – o que causava indignação nas pessoas, pois achavam que o
governo estava querendo matar os pobres mesmo. Nas ruas as pessoas cantavam:
“As mães clamam
e choram por Jesus,
E o culpados
disso tudo é o Doutor Oswaldo Cruz...”
Naquela época, acreditava-se que os pobres eram portadores
de “miasmas”, que suas doenças eram desenvolvidas apenas pela infecção e não
pelo contágio. Era uma forma de dizer que a doença era própria à condição de
pobreza.
A população do Rio de Janeiro já vinha demonstrando
que não aceitava as mudanças que os governantes faziam na cidade (e que sempre
acabavam por mexer com suas vidas). A demolição de cortiços para higienizar a
cidade, era uma prática discutida desde o império. Em 1880, a “Revolta do Vintém”
colocou frente a frente as reivindicações populares e as políticas
governamentais de “saneamento” da capital. Na República, com sua aura de “modernidade”,
essa ideia foi colocada em prática diversas vezes, como por exemplo, na
demolição em 1893 do maior cortiço da cidade, o “Cabeça de Porco”.
Em 1904, centenas de pessoas pobres, donos de cortiços
e pequenos comerciantes foram expulsos do centro da cidade. A desapropriação –
chamada de “Bota-fora” – era uma ação de muita violência, gerando resistência
popular em alguns bairros. Essa resistência foi a base da “Revolta da Vacina”: bondes
eram tombados para servirem de barricadas, pedras arremessadas e tiros eram
usados como armas. Até a capoeira era usada na luta contra a polícia. O governo
só consegue vencer a revolta após receber reforços policiais de outras regiões
do Brasil: especialmente batalhões de S. Paulo e Bahia.
A revolta não consegue impedir a reforma, mas consegue
mudar a visão da população pobre sobre a modernização da cidade. Além disso, a
derrota popular deu origem às favelas na cidade do Rio de Janeiro. Expulsos do
centro, os pobres rumavam para os morros, catando pedaços e sobras de quaisquer
coisas que servissem para construir habitações nas bordas da cidade. Era o
início das favelas no Rio de Janeiro...
Ao mesmo tempo e, como reflexo da revolta no Rio, em
São Paulo, as mudanças no sentido de modernização da cidade ocorreram de outra
forma: por causa da topografia da cidade, esta era fragmentada em áreas
industriais (com as habitações operárias perto), bairros ricos (como
Higienópolis, Campos Elísios – Av. Paulista) e zonas rurais. O policiamento de
São Paulo expulsavam os pobres dos bairros ricos. Também, havia uma lei do
zoneamento que dificultava a construção de cortiços nos bairros ricos, pois a
lei dizia que em alguns bairros, um terreno comprado teria que deixar suas áreas
laterais para a criação de jardins, calçadas e quintal. Em um bairro pobre, podia-se
construir no terreno todo e, por isso, era escolhido pelos pequenos
proprietários para a criação de cortiços.