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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Os cercamentos de terras

 Os cercamentos de terras

Entre os séculos 17 e 19 ocorreu em grande parte da Europa um processo de tomada das terras das comunidades rurais conhecido como Cercamentos ou “Enclosures”. Os cercamentos são uma pré-condição para a Revolução Industrial acontecer.

Existiram dois tipos de cercamentos:
(a)   o primeiro era o cercamento por compra das terras pelos burgueses ou a simples colocação de cercas pelos nobres nas terras comunais das aldeias. A intenção era usar a terra para o plantio de matérias primas para indústrias (como o algodão e a lã) e para a produção de alimentos com maquinário (ambas eram formas de produção que dispensavam a mão de obra).
(b)   Como as comunidades resistiram à perda de seus direitos e costumes de uso da terra para sobrevivência, as elites européias criaram o cercamento parlamentar, em que era aprovada uma lei que punia todos aqueles que se opusessem aos cercamentos. Como escreveu o historiador inglês E. P. Thompson, os cercamentos foram um autêntico “roubo de classe”.
Os cercamentos foram uma forma de acumulação de capital que as elites européias arranjaram para poder enriquecer e que acabou por iniciar a Revolução Industrial em muitos países. Assim, desejando que os trabalhadores servos fossem para as cidades a fim de constituir mão-de-obra para suas manufaturas, os burgueses expulsaram-nos das terras, proibindo-os de usar os campos, fornalhas, pastos, florestas, etc. Os camponeses perderam toda a garantia de séculos de uso do solo; foram para as cidades constituindo um mercado industrial de reserva (quando há um excesso de trabalhadores e os salários ficam sempre baixos, por causa da concorrência entre eles. Muito parecido com os dias de hoje).


Isso ocorreu primeiro na Inglaterra e a partir daí, a doação de terras foi proibida, dando início às leis liberais que limitam o acesso à terra por meio da compra e, protegem os bens materiais das elites que são as únicas que realmente tem condições financeiras para comprar terras. A lei diz “todos tem direito”, mas na realidade falta grana ao povão para poder ter acesso a essa riqueza.

domingo, 18 de dezembro de 2016

O Renascimento cultural e a criação do mito da Europa moderna

O Renascimento cultural e a criação do mito da Europa moderna

A inspiração dos renascentistas na Grécia e em Roma clássicas acabou por criar um mito de nascimento da Europa ocidental. Esse mito acabou por esconder as origens do próprio renascimento e ajudou a criar uma visão mitológica sobre a vida e os costumes nas cidades gregas e romanas.

Como os renascentistas se diziam inspirados na cultural greco-romana, eles negavam que a Idade Média tivesse alguma influência sobre o movimento. Mitificando a Grécia clássica como berço da filosofia e da própria Europa Moderna, como acabou por mistificar a História do período.

Hoje, sabe-se que a filosofia existia em regiões da Ásia (como a China) e da África muito antes da existência da Grécia Clássica. Também suas cidades não eram parecidas com a Europa, ou com o que virá-a-ser o “velho continente” nos séculos seguintes. Na realidade, as cidades gregas eram muito parecidas com as suas irmãs da Ásia Menor (costa oeste da atual Turquia).

Os costumes gregos também são mais próximos do mundo médio-oriental mediterrâneo do que com o mundo continental europeu. É interessante observar que a cultura grega antiga (chamada pelos próprios gregos de “helena”) é, muitas vezes, apresentada como mistura das tradições e culturas do médio-oriente apenas com a decadência da democracia e conquista macedônica, isto é, no período helenístico.

A mitificação da Grécia Clássica passou também por centrar seus estudos nas criações filosóficas-artísticas e no sistema democrático de governo (obviamente importantíssimos enquanto objeto de estudos), mas deixou de lado aspectos importantes da vida cotidiana das pessoas. Nesse sentido, conforme nos mostra Catherine Salles em “Os submundos da Antiguidade”, as cidades gregas eram locais de perdição, havia muita jogatina, bebedeiras, as famosas festas regadas a vinhos – em algumas delas, a festa só acabava quando a última pessoa caia de bêbada... Festas cheias de atos sexuais e outras formas de entorpecimento da psyché (pra ser bem discreto...) eram comuns.

Nas várias cidades gregas, havia diversas igrejas que usavam jovens (homens, mas principalmente mulheres) para, se prostituindo nas paredes externas dos templos, arrecadarem dinheiro para a instituição. Cidadãos gregos também usavam escravos para arrecadarem dinheiro (no entanto, era proibido pelas leis de Atenas, por exemplo, que um cidadão fosse colocado nessa condição, ou seja, uma criança ou jovem grega não podia ser usada para esse fim). Mas as crianças escravas isso era comum, e – por vezes – feita pelos próprios pais, a fim de garantir a sobrevivência da família. Algumas mães chegavam até a ensinar às filhas mulheres o dom de agradar um homem.

Outro aspecto do cotidiano pouco salientado era a influência que algumas prostitutas tinham sobre pessoas importantes da época democrática grega. O exemplo mais conhecido era de Laís, prostituta mais conhecida de Atenas.

Outras cidades Gregas clássicas também eram diferentes do que a imagem oficial passa delas. Por exemplo, Corinto era uma cidade portuária bem na passagem da Ática (onde ficava Atenas) e o Peloponeso (onde ficava Esparta), que atraía muitas pessoas com intenção de ganhar dinheiro lá. No entanto, a cidade era um ótimo lugar... para a pessoa chegar bem de vida e virar escrava, depois de perder tudo em jogos e prostituição.

Roma também foi mitificada. O centro da cidade era sujo, fedido e cheio de gente. Muitos senadores patrícios reclamavam nas sessões do Senado de ter que passar pela fedentina e multidão em meio ao cheiro de urina, gordura queimada (vinda das barracas de frituras) e dos corpos dos pobres que por lá ficavam. O “fascio littorio” era usado para passar nessa multidão...

O crescimento populacional em Roma fez a cidade ultrapassar os muros de proteção e outro foi construído mais adiante, no entorno da cidade. Os patrícios, cansados da agitação, de Roma chegaram a construir uma cidade há alguns quilômetros de Roma: Cápua; era usada para sair da agitação da capital.

Roma é muito conhecida por ter um extenso código de leis. Aliás, os romanos gostavam muito de legislar sobre os problemas e assuntos de sua civilização. Tanto que, até a suspensão da lei era legislada. Embora esse aspecto seja pouco lembrado hoje (Agamben faz uma referência a isso quando discute o “Homo sacer” e a vida nua), a suspensão das leis durante as festas pagãs, mais especificamente no “carnaval” romano, era algo que tornava a cidade um tanto quanto caótica (mas só por alguns dias...).

Esses e outros aspectos nada convencionais do dia-a-dia greco-romano ficaram esquecidos pela mitificação que o Renascimento criou sobre o mundo antigo clássico.

Nesse sentido, a negação da Idade Média como origem da Europa Moderna e sua busca numa época áurea se encaixam perfeitamente uma na outra.

Indicando as origens bárbaras da Europa Moderna, o medievalista Jacques Le Goff confrontou em várias de suas obras esse constructo intelectual que os renascentistas fizeram. Outro autor que será interessante para refletir sobre isso, é o sociólogo Norbert Elias, especialmente em sua obra “O Processo Civilizador”, no qual mostra a criação de manuais de “bons modos” para que os costumes bárbaros, tão frequentes nas pessoas europeias nos séculos XVII e XVIII, desaparecessem.

Por fim, podemos salientar que – ao apagar da História greco-romana as características da antiguidade que as ligavam ao mundo médio-oriental –, essa mitificação da Europa moderna é mais uma face de um profundo eurocentrismo que a civilização europeia difundiu ao longo de sua história e que, como tal, serviu de “padrão” para os costumes, as práticas, histórias e Histórias de outros povos do mundo.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

“Idade Medieval, idade das trevas?”


“Idade Medieval, idade das trevas?”

             Costumeiramente estuda-se o período que abrange os séculos 5 ao 15 como uma época em que não houve grandes avanços nos campos científicos e culturais da civilização ocidental; mas, a sociedade moldada pós-destruição do Império Romano era igual aquela que lançou homens ao mar, inventou diversas inovações tecnológicas como a imprensa e desenvolveu a filosofia escolástica? O conhecimento produzido durante esses dez séculos teria ficado só no âmbito da Igreja? Há como em um período tão longo, não haver nenhum avanço cultural-científico? A resposta é complexa!
            Primeiramente, como surgiu essa ideia? Ainda hoje, muitas pessoas a reproduzem e frequentemente falam da “Idade das Trevas”.
            No entanto, para que possamos entender esse processo de formação desse imaginário social é necessário irmos mais adiante, penetrando já na Idade Moderna e, especialmente, no Movimento Renascentista: Durante os séculos 15 e 16, a Europa viveu um processo de intenso desenvolvimento artístico-filosófico-cultural-científico que se caracterizou pelo nome de “Renascença”. Como o próprio nome diz, as pessoas desse movimento autodenominavam-se como portadores do “renascer“ da cultura clássica greco-romana. A Renascença era, para os homens que o viveram, segundo sua mentalidade, a volta da cultura europeia a luz, a claridade (algo onde o homem pode guiar-se, pois onde há luz, vê-se o caminho). Logo, para esse pensamento, se no século 16 há um renascimento é porque, pressupostamente houve um período de Trevas, de escuridão, onde o homem não podia ver o caminho em que trilhava, seguindo-o cegamente; para os homens – inventores, artistas, pensadores – esse período nefasto da história humana seria a Idade Média.
            Percebe-se que, ao jogar a Idade Média como um período de trevas, o movimento cultural-científico da Idade Moderna, o Renascimento estava legitimando-se, numa época em que a sociedade tem ainda uma mentalidade própria da Idade Média; pois como disse o historiador medievalista Jacques Le Goff, a mentalidade de uma época é imperceptível à mudança, enquadrando-se no que Ferdinand Braudel chamou de tempo “longa duração”.
            A ideia da “Idade das Trevas” foi trabalhada pelos “renascentistas” de diversas maneiras, ora confrontando-se com alguns dogmas religiosos, como por exemplo, através das artes sacras e a humanização dos corpos dos santos; ora criando no imaginário popular de que a Igreja tinha aprisionado o conhecimento, e por isso, teria impedido o homem de cruzar os mares à procura de riquezas, por causa das lendas que se criavam sobre monstros marinhos ou de a Terra ser plana.
            O homem que adentrava a Idade Moderna tinha em si, a ideia do geocentrismo da Terra, do maniqueísmo entre o bem e o mal. Essa mentalidade estava muito presente, por exemplo, em diversos homens que vieram para a América, sendo seu exemplo mais fiel, Colombo; enquanto que o homem “renascentista” pensava o como o homem como centro do universo e não apenas Deus (acusando a Igreja Católica de guiar os homens à escuridão do Teocentrismo).
            Então, o ideário renascentista criou sobre a Idade Média um imaginário social e um discurso que a representava como a Idade das Trevas, justamente para justificar um outro discurso subsequente de um novo tempo baseado na luz do conhecimento humano: racionalismo, antropocentrismo, etc.
            Por outro lado, a tentativa de influencia da Igreja sobre a vida das pessoas e a criação de um imaginário social voltado para os valores teológicos, em que nada poderia sair do âmbito dos valores religiosos aprisionaram o homem em um mundo que só o fazia pensar a partir daquilo que a Igreja dizia que era possível pensar, viver ou fazer. Nesse aspecto não houve só uma estagnação, mas um retrocesso, pois os valores democráticos, republicanos, humanistas, artísticos e filosóficos que os gregos e romanos criaram nas suas sociedades foram abafados pela sociedade medieval da época (mesmo que um teólogo como Santo Agostinho faça de Aristóteles – grande filósofo grego – sua inspiração, isso não chegava à população - tal como ocorreu com o desenvolvimento cultural que os gregos de Atenas tiveram, por exemplo). Esse retrocesso ocorreu principalmente na chamada Alta Idade Média (séculos 5 ao 10) e foi anemizado por um florescimento cultural na Baixa Idade Média (séc. 10 ao 15), especialmente a partir de meados do século 13.
            No entanto, grande parte do que poderia ter sido um florescimento cultural dos séculos 12 e 13 foi “abafado” pela Igreja Cristã, pois esta atacou as comunas autônomas (burgos que se emancipavam), bem como perseguiu e queimou nas fogueiras da Santa Inquisição diversas seitas hereges (herege vem do latim heresium, “aquele que tem outra opinião”) e pagãs do continente.
Pro tudo isso, o pensamento da época ficou restrito à Igreja e se desenvolveu dentro de suas paredes. Por exemplo, a filosofia escolástica deu início ao desenvolvimento do racionalismo – e o renascimento irá utilizar. Mas a Igreja monopolizava o conhecimento da época não o divulgando a população, o que mostra que, nesse aspecto, o pensamento renascentista tem certa razão sobre a “Idade das Trevas”. No entanto, fora de âmbito da Igreja, ou indiretamente relacionado a ela, os avanços laicos também ocorreram. A medicina feita por feiticeiras e povos não-cristãos, como os judeus, não seguiam a norma imposta pela Igreja de não-violação do corpo (violar a “morada da alma” seria um pecado).
            A variedade de músicas e ritmos foi bastante grande, especialmente com os cantos gregorianos e nas músicas populares entoadas nas ruas, praças através de festas populares ou por trovadores, ou a arte popularesca dos menestréis criando poesias cantadas, como as cantigas de amigo e de amor ou as cantigas ou de mal dizer, em meio às festas populares com bebidas, danças e representações artísticas e religiosas. Sendo estas as de maior ocorrência, que demonstram a população ligada ao espírito cristão. O surgimento do Carnaval no último dia da Quaresma é parte dessa relação.
No fim da Alta Idade Média, a criação de um imaginário pagão vindo dos servos e da baixa nobreza e chamado de “Maravilhoso” era composto de uma série de monstros e seres antropomórficos e se estendeu por muito tempo na mentalidade das pessoas. O “Maravilhoso” era uma forma de contrapor a pregação da Igreja Cristã de que as pessoas mais simples criavam “ilusões”, “miragens” para não aceitar o que o dogma religioso os impunha. É, nas palavras do historiador Jacques Le Goff, uma forma de “resistência a ideologia oficial da época”. A igreja cristã, por sua vez, percebeu que não adiantava apenas combater essas ideias. (Se assim o fizesse, ela perderia força e desapareceria). Então, não atacava todas essas manifestações do Maravilhoso como “bruxaria” (o que era a prática comum da Santa Inquisição) mas, canalizava algumas delas para a aceitação das ideias religiosas da própria igreja cristã pelas pessoas comuns. As “miragens” vistas por estas eram “transformadas” em santos da Igreja Cristã (católica), por exemplo.
            Todas essas formas de manifestações culturais, sejam elas populares ou eclesiásticas, serviram de meio divulgador de informação e cultura na Idade Média.
            Por fim, além dos já citados desenvolvimentos na arquitetura, há também a criação do moinho de vento ou do hidráulico, do arado puxado por força animal, do relógio mecânico, das lentes para correção visual, dos fossos de proteção dos castelos feudais e de um melhor manuseio do ferro pelo homem.
 

O Renascimento Cultural


O Renascimento Cultural

Renascimento é o nome que se dá a um movimento cultural, que ocorreu na Europa Ocidental entre os séculos 14 e 16, inspirado na cultura greco-romana, também chamada de “cultura clássica”. Esse momento foi feito por camadas urbanas de alguns burgos e foi considerado um fenômeno de passagem da mentalidade feudal para uma nova, capitalista.

O Renascimento foi um movimento de artistas e intelectuais das cidades e representava uma nova concepção de vida que essas cidades encarnavam.  Desde a crise do sistema feudal e o ressurgimento do comércio e das cidades (burgos), as ideias dessas pessoas serão exaltadas e difundidas, especialmente nas obras de arte.

Desde a crise do sistema feudal, havia uma ascensão da burguesia comercial (mercadores) enquanto classe social e, com ela, novas relações de trabalho que se desenvolviam nas cidades. O renascimento representa essa ascensão.


 "O homem é a medida de todas as coisas"

Filosoficamente, esse movimento se baseava no humanismo que, descartando a escolástica medieval, propunha um retorno à virtude greco-romana. Autores como Platão, Aristóteles e Sêneca, entre outros, foram publicados – a partir da invenção da imprensa em 1455 pelo alemão Johannes Gutemberg – e difundidos. No entanto, mesmo usando as ideias da cultura clássica, o Renascimento não foi uma simples cópia desta, pois as ideias eram usadas de acordo com o contexto histórico do final da medievalidade e início da modernidade.

Outra concepção que os homens renascentistas valorizaram era o antropocentrismo: isto é, a visão de que as coisas do mundo ocorriam a partir da importância do ser humano. O trabalho, o comércio, as guerras, os sentimentos, as lutas sociais começaram a ser estudadas como produto da ação do homem.

Outra característica forte do movimento foi o racionalismo, isto é, a certeza de que tudo pode ser explicado pela razão do homem e, consequentemente, pela ciência. Essa ideia levara a recusa em acreditar naquilo que não tenha sido provada. Por isso, o experimentalismo científico era valor importante para os renascentistas.

Além desses, o individualismo também foi um dos valores renascentistas: cada um é responsável pela condução de sua vida, podendo fazer opções e discutir suas ideias com os outros.  Abre-se a possibilidade de uma tomada de decisões por cada homem.

Outras características do Renascimento foram: o naturalismo, o estudo da natureza, acentuando o espírito de observação dos seres humanos; o hedonismo ou "culto ao prazer", a ideia de que o homem pode produzir o belo e assim pode gerar obras apenas pelo prazer que essa lhe dá (rompendo com o pragmatismo); o universalismo, o homem deve se desenvolver em todas as áreas do saber; (nesse sentido, Leonardo da Vinci é o modelo de "homem universal": pintor, inventor, escultor, matemático, físico, tendo estudado inclusive aspectos da biologia humana…).



Maquiavel e a divisão das responsabilidades

Nicolau Maquiavel foi um pensador renascentista que viveu entre o final do século 15 e início do 16. Seu pensamento é muito importante para entender o fundamento filosófico do Renascimento, pois ele é visto como fundador do pensamento político moderno, pois em suas obras escreveu sobre o Estado e o poder político.

O grande sonho de Maquiavel era ver a Itália unificada (pois na época a região era formada por diversos principados, reinos, repúblicas e outros – todas brigando entre si). Para Maquiavel, um grande príncipe era aquele que conseguiria conquistar e, principalmente, manter um grande reino. Para isso, o príncipe devia unir a Virtú (capacidade) e a Fortuna (oportunidade). A capacidade era algo humano e devia ser desenvolvida pelo homem-rei; enquanto a oportunidade era Deus que dava ao homem. Em sua principal obra, “O príncipe”, Maquiavel explica essas ideias e cita Alexandre o Grande como exemplo de alguém que desenvolveu a capacidade – afinal conquistou enormes regiões na Ásia para o Império Macedônico da Antiguidade – mas, não recebeu de Deus a oportunidade de ser um grande rei, pois morreu na volta para a Europa.

Perceba: o pensamento de Maquiavel divide as responsabilidades entre Deus e o homem nas ações humanas, questionando a visão da Igreja da Idade Média que pregava o Teocentrismo e a Sacralização da Vida, nas quais o homem era visto apenas como um ser “manipulado” por Deus (ou pelo demônio), sendo que, Deus decidia quais os caminhos que o homem podia ou não fazer – e o demônio o tentava para caminhos ruins. O pensamento de Maquiavel dá aos seres humanos a capacidade de agir de acordo com suas vontades, seu livre-arbítrio. No entanto, Maquiavel, e o próprio Renascimento, não rompem com a igreja cristã, mas apenas criticam a visão que dava a centralidade das ações e dos acontecimentos humanos para Deus.

Mecenato e a expansão do Renascimento

Em algumas cidades italianas, especialmente naqueles ligadas ao comércio, importantes transformações - como a formação de grupos de burgueses ricos (que precisavam de reconhecimento social), foi onde o Renascimento mais se desenvolveu. Desde a século 13, o comércio levou à urbanização e autonomia das cidades. Assim, os homens buscavam decidir as coisas em conjunto e desenvolveram uma nova mentalidade que levará a produção de obras de arte e pensamentos que mostravam essa visão renascentista.


Nesse sentido, o mecenato foi fundamental para a produção intelectual e artística do renascimento. O mecenas era considerado "protetor": homem rico que financiava a produção das artes. O mecenas se beneficiava das obras com o prestígio social obtido pelas ideias difundidas.

No século 16 a cultura renascentista expandiu-se para outros países da Europa Ocidental, justamente quando entrava em crise na região da Itália. Como essa região era muito dividida e vivia em guerras e invasões, as ocupações, de franceses e espanhóis, por exemplo, levaram a um conhecimento sobre as ideias renascentistas. Também, devido as grandes navegações países como Portugal, Espanha e Inglaterra desenvolveram uma mentalidade que unia os interesses e a ideias renascentistas da burguesia com os interesses da nobreza. Nesse momento, a decadência do comércio das cidades italianas beneficiou as áreas “atlânticas” do Renascimento impulsionando o movimento nessas regiões.

sábado, 19 de novembro de 2016

O governo João Goulart e o golpe civil-militar de 1964

O governo João Goulart e o golpe civil-militar de 1964

Para começar você pode imaginar que o governo de Jango ocorreu com uma forte oposição de todas os grupos e instituições conservadoras-reacionárias que havia no país na década de 1960. Em 1961, associavam-se nesse “bloco” os capitalistas estrangeiros, muitos capitalistas brasileiros, a UDN (é claro!), os militares golpistas e outros. Mas esse bloco vai engrossar – diversos grupos vão aumentar o seu grito exigindo um golpe contra Goulart. Esse “bloco” será chamado até a partir de agora de “multinacional-associado” (R. A. Dreifuss) ou “multinacional-liberal” por representar os interesses do capital estrangeiro e daqueles que se associam econômica e politicamente a esses interesses. Por outro lado, podemos identificar o “bloco nacional-estatista”, defendendo a defesa de interesses nacionalistas e do Estado como promotor das mudanças sociais.
Nesse momento, o governo dos EUA ainda não vê com bons olhos a deposição de governantes na América para “manter o capitalismo”. Por hora, o governo Kennedy aplica seus esforços na “Aliança para o Progresso”, tentando minar a possibilidade de revolução socialista ou mesmo de reformas profundas nesses países. A classe média – que irá aderir por medo do “comunismo ateu” e a Igreja Católica (a mais forte do Brasil à época) ainda não estão totalmente mobilizadas.
Por outro lado, os grupos políticos que representam o pensamento “nacional-estatista” eram heterogêneos, mas – em sua grande maioria – vão apoiar o governo Goulart. Entre estes estavam o PCB, o PTB, o PSB, os políticos da esquerda nacionalista: Leonel Brizola, Miguel Arraes, Francisco Julião (das Ligas Camponesas) e outros. Embora disperso, esse grupo vê o governo de Jango como uma enorme possibilidade de fazer as reformas sociais necessárias para um Brasil melhor. Evidentemente, muitos destes não queriam ficar só nas reformas. Havia adeptos da “revolução”, especialmente após a vitória das Revoluções Chinesa (1949) e Cubana (1959).
Em agosto de 1961, a renúncia de Jânio Quadros e seu plano espalhafatoso de voltar nos braços do povo, dando um golpe de Estado vai por água abaixo. O povo – que Jânio imaginava manipular – não vai às ruas pedir sua volta. O Brasil entra em uma profunda crise política na qual os comandantes militares e setores das elites liberais (UDN) não aceitavam a posse de João Goulart (Jango) e anunciam ao país suas intenções. As rádios são tomadas e os aeroportos controlados pela aeronáutica recebem a ordem de prender Goulart assim que ele pisasse no Brasil (estava em viagem à China socialista). Para piorar, o Congresso Nacional - numa madrugada - viola a Constituição e retira o “vice-presidente” da ordem de sucessão na ausência do presidente. Por outro lado, no Rio Grande do Sul, o governador Leonel Brizola resiste e cria a “Campanha da Legalidade”. Usando os transmissores de uma rádio, ele chama o povo para resistir à tentativa de golpe. O comando do exército dá uma ordem ao Gal. Machado – comandante do III Exército, com sede em Porto Alegre – para prender Brizola, mas aquele se apresenta ao governador e se declara fiel a Legalidade. Diante de manifestações populares em diversas cidades pela posse de Jango (que entra pelo sul do país), os golpistas querem um acordo: Jango assumiria, mas em um sistema parlamentarista. Brizola é contra, mas Goulart aceita a proposta. Curiosamente, no acordo havia uma exigência dos golpistas: Jango não podia falar para a população até a posse; temiam que Jango influenciasse a população a seu favor (lembre-se: as elites olhavam Goulart e viam Vargas!!!) ... a posse será em 07 de setembro de 1961.
O governo Goulart começa com um problema para resolver. Jânio havia mudado regras econômicas por instruções da SUMOC (Superintendência da Moeda e Crédito) e liberado o câmbio do dólar. A moeda subia mais que o esperado e um monte de produtos vindos de fora subiam de preço a níveis que atingiam em cheio o bolso do povão e da classe média.
Além disso, a oposição a Goulart atacava, taxando-o de fraco e desequilibrado para governar. Para variar o maior opositor de Jango era Carlos Lacerda. Devido a seu poder de comunicação (falava muito bem, tinha conhecimento e era dono de um jornal, o Tribuna da Imprensa) Lacerda será eleito em 1962 para governador da Guanabara (era o Distrito Federal; atual região metropolitana do RJ). A partir daí a oposição de Lacerda a Jango cresceu, pois os dois coabitavam o mesmo espaço e o primeiro tinha a “mídia” da época a seu lado e uma enorme força política e policial. Lacerda também era adorado por setores mais extremistas das Forças Armadas.
O projeto de governo de Jango se baseava nas “Reformas de Base” que pretendiam mudar a estrutura sócio-econômica do Brasil, distribuindo renda e acesso aos serviços públicos. Havia reformas em diversas áreas. Vejamos algumas delas:
·         Agrária: projeto de desapropriar as terras ao longo de ferrovias e rodovias para distribuir aos “sem-terras” da época;
·         Administrativa: controlando, p.ex., a contratação de parentes para cargos públicos;
·         Bancária: controlando os lucros exorbitantes que esse setor tinha;
·         Urbana: diminuindo o preço do aluguel ao controlar a especulação imobiliária;
·         Educacional: através do projeto de Darcy Ribeiro que visava uma educação crítica em todos os níveis do ensino nacional;
·         Trabalhista: estendendo a CLT para os trabalhadores do campo e garantindo mais direitos aos trabalhadores urbanos, como a estabilidade de emprego;
·         Econômica: limitava as remessas de lucros das multinacionais ao considerar como lucro tudo o que fosse reinvestido e retirado por meios ilegais do país.

Uma das grandes brigas do governo Goulart foi a questão da Reforma Agrária. Jango esforçava-se muito por esse projeto. O obstáculo maior era que, para desapropriar as terras, o governo era obrigado a pagar o fazendeiro com dinheiro vivo. Jango queria mexer na Constituição, tornando o pagamento possível com títulos do governo. A oposição não aceitava.
 Desde o final da década de 1950 havia sido formado no interior do país, e principalmente no nordeste, as Ligas Camponesas. Organizadas pelo advogado e deputado Francisco Julião, lutavam pela Reforma Agrária. Os “coronéis”, donos das terras – que estavam se preparando para uma guerra – odiavam a ideia de os pobres do campo se organizarem para reivindicar direitos. O pior é que Julião embarcou nessa, foi para Cuba e radicalizando criou o lema “Reforma agrária: na lei ou na marra”. Julião ainda dizia ter milhares de camponeses armados, prontos para agir numa guerra contra os senhores... tudo cascata. Em 1964, não haverá nenhum sertanejo pronto para a luta...
Outro problema para Goulart foi uma decisão tomada pelo então governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango, Leonel Brizola. Ele expropriou os bens (não as ações) de uma filial da IT&T (International Telephone & Telegraf) - multinacional norte-americana da área de telefonia. A ação contra a “Companhia Telefônica Nacional” ocorreu, segundo Brizola, pois fazia um serviço caro e de péssima qualidade. Ele já havia encampado a Companhia de Energia Elétrica Riograndense, filial de outra norte-americana, AMFORP ou American & Foreign Power (Bond & Share). O governo dos EUA exigiu de Jango uma reparação. Quando houve acordo, a esquerda (forte no bloco nacional-estatista) criticou a quantidade de dinheiro que o governo brasileiro iria dar a IT&T para compensar a expropriação. Brizola dizia:”...não vale tudo isso... é tudo sucata!!”.
A relação com os EUA ainda pioraria quando o governo brasileiro se recusa a apoiar este país contra Cuba durante a crise dos mísseis com a URSS (final de 1962). Goulart defendia o que se chama de “Política externa independente”. Em plena Guerra-fria esta posição era considerada por demais independente para um “paísinho” subordinado como o Brasil.
Nas eleições de 1962, um outro componente entra em cena: o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) – instituição organizada e financiada com dinheiro de empresários (nacionais e estrangeiros) e em contacto com a CIA (Central Inteligency Agency - Serviço de espionagem norte-americano) para desestabilizar e, depois, derrubar o governo Goulart. É isso mesmo que você está lendo: o empresariado – a burguesia – pagou para o golpe acontecer! Entre estes magnatas das comunicações na época; donos de colégios e faculdades privadas; além de muitas multinacionais: Ford, Mercedes-Benz, Coca-Cola...
O golpe será chamado por estes de “revolução” e defesa da “democracia” (SIC). Todos se dizem “democráticos, mas como “em política não vale o que se fala, mas o que se faz”... (lembre-se sempre dessa frase), o termo “Democrático” é, no século XX, sinônimo de “capitalismo” de manutenção das desigualdades e da estrutura social desigual e não de uma sociedade mais justa, menos desigual, com direitos civis e políticos...
O IPES, chefiado por banqueiros brasileiros, recolhia “contribuições” dos empresários para financiar todo tipo de propaganda contra o bloco nacional-estatista e, óbvio, Jango. Nas eleições de 1962, houve centenas de candidatos da direita que tiveram suas campanhas pagas pelo IPES ou por dinheiro que o Departamento de Estado do governo dos EUA enviava para as “ilhas da sanidade administrativa”, isto é, a oposição a Jango. Mas – como a direita não é burra – havia uma outra instituição que fazia a fachada para o IPES não aparecer: era o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática). Por meio desta as campanhas contra Goulart (através de jingles, panfletagem, edições de livros e periódicos, emissoras de rádio etc.) serviram para desgastar a imagem do presidente. Ahh!! ...o embaixador dos EUA também agia, por baixo dos panos, contra o governo...
Mas havia vitórias do bloco nacional-estatista também: Miguel Arraes foi eleito governador de Pernambuco (estado sempre comandado pela direita) e Leonel Brizola foi eleito deputado federal pela Guanabara, com uma votação superior a de Luis Carlos Prestes (PCB) em 1946. O PTB duplicou o número de deputados nessas eleições.
No parlamento, os partidos políticos se dividiam quando ao apoio ao governo Jango. O PTB era, em grande maioria, a favor das ações do presidente. Mas havia dissidentes. O PSD era, a princípio contra, mas pensava negociar algumas das reformas que Goulart queria fazer. A UDN, em maioria era contra, mas havia uns poucos dispostos a conversar.
Perceba que as posições dos partidos estavam divididas entre os dois blocos que disputavam a hegemonia para seu projeto. Por isso é que se formou a ADP (Ação Democrática Parlamentar) congregando políticos da UDN, uma parte do PSD e alguns do PTB. Havia também os políticos do PSP (Partido Social Progressista) do corrupto político paulista Ademar de Barros. Eram favoráveis ao bloco multinacional-associado, mas é claro, alguns tinham ressalvas a fazer ao capital estrangeiro. Por outro lado, havia a FPN (Frente Parlamentar Nacionalista) que articulava a “ala moça” do PSD (como eram chamados os nacionalistas dessa agremiação), o PTB em peso, o PSB (partido socialista brasileiro) que defendia as ideias do bloco nacional-estatista.
O parlamentarismo instituído em 1961 não funcionou. O primeiro-ministro Tancredo Neves saiu do cargo para disputar as eleições parlamentares em 1962. Também estava cansado de tentar articular um sistema de governo misto (meio presidencialista, meio parlamentarista) durante a crise política e econômica que aumentava. Dois outros primeiros-ministros passaram pelo gabinete, mas a insatisfação era grande: Jango queria ser presidente para valer. Outros políticos queriam disputar as eleições de 1965 no presidencialismo. Os empresários achavam que um governo concentrado resolveria a crise econômica. A esquerda queria que Jango assumisse mais poder para poder realizar rapidamente as Reformas de Base. Os militares achavam que com o presidencialismo era mais fácil decidir e resolver problemas.
Como era de seu costume desde o tempo como Ministro do Trabalho de Vargas Jango apoiou as reivindicações de trabalhadores e a formação de uma central sindical de âmbito nacional. Assim, a CGT (Comando Geral dos Trabalhadores) – atuando ilegalmente – coordenava as greves, especialmente de funcionários públicos, com o objetivo de reaver as perdas salariais e de aumentar os direitos dos trabalhadores, apoiando as Reformas de Base e a campanha pela antecipação do plebiscito do presidencialismo para janeiro de 1963.
Realizado o plebiscito o presidencialismo ganhou com esmagadora maioria. Mas Jango teria plenos poderes para poder implantar as reformas de base?
No entanto, havia um problema: a crise econômica se agravara. A inflação ultrapassava os incômodos 40%. O pagamento da dívida externa também estava comprometido. A moeda caia.
Para resolver esse problema, o braço direito de Jango no governo, San Thiago Dantas vai a Washington (EUA) tentar negociar empréstimos para o Brasil. Lá, ouviu promessas e a cobrança de solução da questão da AMFORP. Aqui Brizola denunciava as fraudes que a empresa norte-americana fez para dizer que precisava ser ressarcida. Tudo falso: os americanos já haviam recuperado todo o investimento feito no Brasil, mas mentiam dizendo que estavam em prejuízo. San Thiago Dantas fecha um acordo nos EUA, mas quando chega ao Brasil, a pressão sobre ele é tão grande que sai do governo. Washington não gostou. Achou que Jango perdera seu ponto de apoio. A partir daí, o dinheiro prometido não viria. Com a ajuda do embaixador Lincoln Gordon o governos dos EUA só emprestaria dinheiro aos políticos, estados e municípios que representassem as “ilhas da sanidade”. Perceba: colocar dinheiro dentro de um país, sem a conivência do governo federal, significa passar por cima da soberania do país. É um atentado a essa e uma ofensa ao povo que elegeu e referendou um presidente.
Ao mesmo tempo Jango realizava medidas econômicas e sociais que davam lhe grande prestígio junto à população. Em 1964, o presidente chega a estar com mais de 70% de aprovação em relação às medidas que tomava. E isso, com inflação e tudo. O projeto que Jango aplicava era uma continuação do getulismo, porém aumentando os direitos trabalhistas e sem a mitificação que Vargas fez de si próprio. Podemos chamar de trabalhismo e, segundo Luiz A. Moniz Bandeira, essa projeto político se assemelha muito a social-democracia do início do século XX.
1963 foi um ano agitado para Jango: uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) revela que o IBAD financiou ilegalmente muitas campanhas em 1962. O IBAD foi fechado, mas – por haver muitos deputados envolvidos no caso fazendo parte da CPI – o IPES ficou ileso...
Em agosto um grupo de 500 sargentos se rebela em Brasília. Até a esquerda mais radical foi pega de surpresa. Os sargentos reivindicavam a elegibilidade e a possibilidade de se casarem. Tomam uma rádio, leem manifesto e... a revolta não tinha mais o que fazer. Cercados pelo exército se rendem. As Forças Armadas querem puni-los, mas Jango anistia os rebelados. No embalo dessa revolta, o tom das críticas dos militares ao governo aumenta: muitos generais criticam Jango por causa das greves, “desordem”, “caos”, “comunismo”. Para os militares que aprendem que tudo é “hierarquia” e “ordem”, uma greve é um absurdo. Afinal qual é o problema de um trabalhador morrer de fome desde que esteja obedecendo e respeitando seu superior?
As articulações do governo dos EUA para derrubar Jango aumantam de intensidade quando em 1963, o presidente Kennedy é assassinado em Dallas (Texas). Motivo: não quis invadir Cuba novamante. Foi taxado de “comunista” pelos fanáticos da burguesia bélica e por setores reacionários nos EUA. Seu sucessor, Lyndon Johnson,  mudara a política externa norte-americana para a América Latina: a partir daqui, os golpes de Estado são bem vistos e apoiados. Assim, Vernon Walters (adido militar dos EUA para o Brasil) se tornará uma figura chave para a articulação do golpe junto ao gal. Humberto Castelo Branco. Milhares de militares dos EUA, os “boinas verdes”, são mandados para o nordeste brasileiro com o intuito de lutar contra as forças do governo. As elites brasileiras se preparam para uma “guerra civil”. Fazendeiros compram armas. Lacerda “bate” em Jango o tempo todo: “fraco”, marionete dos comunistas” etc. Bilac Pinto da UDN incita os ricos a se armarem: “Armai-vos uns aos outros, pois nós já estamos armados”...
Em outubro de 1963, diante da suspeita de planos vindos de pessoas ligadas a polícia da Guanabara para matar Jango e sua família no feriado do dia 12, alguns militares nacionalistas pedem para Jango decretar “estado de sítio”. A intenção era destituir Lacerda na Guanabara e Ademar de Barros em São Paulo (pois conspiravam abertamente). Barros compara armas para a força pública (polícia civil) de SP e dizia abertamente que era para a “guerra civil”. A proposta de estado de sítio vai para o congresso, mas não chega a ser votada: diversas entidades e pessoas que apoiavam Jango se recusam a aceitar aquela medida. Não confiando no presidente achavam que ele poderia usar isso para dar um golpe de estado (perceba: mesmo os apoiadores de Jango olham pra ele e veem Getúlio Vargas. Miguel Arraes, em PE, tinha medo de que fosse retirado de seu cargo. A UNE se declara contrária. Brizola e Prestes apoiavam. Com a oposição batendo e os apoios divididos Jango retira a proposta antes de ser votada. Grande derrota...
A partir do início de 1964 o bloco multinacional-associado conspira abertamente para derrubar Jango. Lacerda pede na mídia que os militares derrubem Jango!?!! O governo dos EUA, articulado aqui pelo embaixador Lincoln Gordon e por agentes da CIA, monta a operação “Brother Sam” que previa o desvio de um arsenal de guerra do Caribe para o Brasil... estava previsto para chegar aqui lá pelo 8 de abril. A UDN fala abertamente em “golpe” e “guerra revolucionária” (SIC).
Aumentam o número de greves e manifestações de apoio dos trabalhadores para Jango. Este - pressionado por todos os lados, inclusive pela esquerda mais radical (que incluía seu cunhado Brizola) – desiste de fazer acordos com a direita. 1964 seria ano de reformas de base... na lei ou na marra! Jango faz algumas reformas que beneficiam o povo. Homologa uma lei do tempo de Jânio que prevê limitações as remessas do capital estrangeiro. Essa lei foi feita por um deputado do PSD e Jango – num erro absurdo – demorou para colocá-la em prática. A questão da reforma agrária gera maior controvérsia. Os partidários de Jango, alguns incentivados por Brizola, radicalizam: diziam que com esse Congresso não dava mais para conversar. O negócio era mudar a Constituição através de decreto presidencial. Diziam também ser necessário mexer na não-elegibilidade de Jango ou Brizola para as eleições de 1965. Por sua vez o próprio presidente se isolou dos setores da direita que queriam uma solução “normal” para o impasse. Goulart sempre foi uma pessoa que fez da negociação e da conciliação suas “armas políticas”. Agora abandonou essas armas...
Como resposta, a direita reagia defendendo a legalidade da Constituição, i. e., dizia que Jango era golpista e que preparava um regime de “república sindicalista” nos moldes que R. D. Péron criou na Argentina (de novo, a visão de olhar Jango e ver Vargas...). Acusavam também Goulart de se entregar ao “Movimento Comunista Internacional”. Os jornais se enchiam de charges denunciando Jango como “marionete” de Luis Carlos Prestes e do PCB.
A partir daqui os ânimos vão esquentar: Prestes dá uma entrevista na TV Tupi e chama os generais da direita de “Gorilas golpistas”. Em outro momento provocou: “Já temos o poder, só nos falta o governo...” Perceba: a ideia de gorilas mascara a enorme conspiração civil que estava por trás do golpe. As declarações de Prestes foram, no mínimo, impensadas e provocativas, pois exercer poder é mais difícil do que ser governo.
Em 13 de março de 1964 as forças favoráveis ao governo, especialmente o PTB, promovem na Central do Brasil (RJ) um comício. Arraes, Brizola, sindicalistas da CGT entre outros discursaram. Mas o mais esperado era Goulart. Ao lado de sua bela esposa Maria Tereza ele falou por mais de duas horas. Estava tenso, abandonou o discurso preparado e, emocionado, falou para mais de 100 mil pessoas. Defendeu as Reformas de Base e anunciou a homologação de dois decretos: o da reforma agrária e o do controle sobre as remessas de lucros do capital estrangeiro. Também atacou os que queriam derrubá-lo. O público foi ao delírio.
Próximo dali, o gal. Humberto Castelo Branco viu o comício e – como líder da conspiração decidiu que estava chegando a hora de agir. Para ele era um absurdo a CGT existir, o povo pedir e Goulart conceder. No entanto, mesmo que os militares golpistas se irritassem ainda havia muitos “legalistas” nas Forças Armadas. O que fazer para convencer os indecisos a conspirar contra o governo? No dia 20 de março, Castelo lança uma Circular Reservada unindo os golpistas. E hoje, os golpistas mentem ao dizer que Castelo só aderiu ao golpe de última hora...
Em 19 de março a classe média e a Igreja católica dão uma resposta a Jango. Chamados pela Igreja e por grã-finas ricas que vão às favelas dizer que os comunistas iriam roubar os filhos das pessoas pobres, 500 mil pessoas saem às ruas de SP na “Marcha com Deus pela família e a liberdade”. O embaixador dos EUA, L. Gordon, notou em telex para seu governo que havia pouquíssima participação popular na marcha. Por que será, né?
Os militares dizem que depois de 13 de março eles eram cada vez mais cobrados por membros das classes médias para derrubar Jango. Mas faltava algo... O general Assis Brasil, chefe do Gabinete Militar do governo dizia a Jango que tinha um “dispositivo militar” pronto para enfrentar os golpistas. Cascata? Incompetência? Na “hora H” o tal dispositivo aderiu ao golpe...
Em 24 de março estoura uma rebelião dos marinheiros contra as rigorosas regras internas da marinha e por direitos políticos (reconhecimento de associação sindical, elegibilidade etc.). Tropas do exército são deslocadas para o sindicato dos metalúrgicos do RJ para prender os rebelados, mas aderem à revolta. O mais radical de todos os marujos é o “Cabo Anselmo” ou José Anselmo dos Santos[1]. Para muitos em 1964 ele era um espião da CIA e trabalhava como agente provocador, i. e., para radicalizar a rebelião e tornar as coisas mais difíceis para o governo. A marinha conseguiu prender os rebelados, mas Jango os anistiou. Irritados com a quebra da hierarquia do presidente, os almirantes da Marinha passaram para o lado dos golpistas.
Mas havia mais... no dia 30 de março a noite, Jango numa reunião de sargentos no Automóvel Clube do RJ. Discursa apoiando as reivindicações dos presentes. Foi a gota d’água: lá pelas duas da manhã, quando o discurso terminou, em Juiz de Fora (MG) o gal. Olímpio Mourão Filho (o mesmo do Plano Cohen do golpe de 1937!!) já estava fardado e saiu com suas tropas em direção ao RJ para derrubar Jango. Castelo e outros golpistas, com medo de que o governo pudesse por tropas contra os golpistas, tentaram barrar Mourão mas, não conseguindo, apoiam o general.
Mourão chegou ao RJ às duas da manhã de 01 de abril de 1964. Jango já havia ido para Brasília, mas sabendo que outros generais mexiam suas tropas para prendê-lo, voa para o RS, durante a madrugada do dia 02 de abril. Nesse momento, no Congresso o Senador Auro de Moura Andrade – antigo desafeto de Jango – faz uma sessão relâmpago e, surpreendendo a todos, declara vaga a presidência da República por que Goulart havia deixado o território brasileiro (o que era mentira!). Era a cobertura legal para o golpe que estava em andamento.
Chegando a Porto Alegre Jango se reúne com assessores, Brizola, Ladário Telles (comandante do III Exército) e outros. Muitos queriam resistir, mas Jango não queria ver derramamento de sangue. Vários legalistas queriam, mas não tiveram apoio de Jango para reagir.
Em 02 de abril o golpe estava consumado. O detalhe é que muitos militares indecisos acabaram ficando do lado dos golpistas por uma questão de hierarquia e ordem... outros foram literalmente comprados pelos golpistas...
A CGT foi fechada, a sede da UNE destruída, milhares de pessoas presas e torturadas. O militante Gregório Bezerra (PCB), com mais de 60 anos, foi amarrado à traseira de um jipe na sede do IV Exército em Pernambuco e arrastado pelas ruas de Recife. Além disso, cassação de direitos, humilhações, prisões, expulsão dos legalistas das Forças Armadas e exílio passam a ser uma constante.
“Bem-vindo” ao período mais obscuro da História do Brasil... os longos 21 anos da Ditadura Civil-Militar  (1964-1985).

Fontes:

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BANDEIRA, Moniz. O governo Goulart – As lutas sociais no Brasil (1961 – 1964). Rio de Janeiro:  Civilização Brasileira, 1977. Col. Retratos do Brasil, vol. 110.
BANDEIRA, Moniz. O governo Goulart – As lutas sociais no Brasil (1961 – 1964). Rio de Janeiro: Revan, DF, Ed. da UnB, 2001 – 7ª ed.
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[1] Durante a ditadura Anselmo participou da luta armada e, entregou dezenas de pessoas para a o delegado Sérgio Paranhos Fleury (inclusive uma namorada grávida, para morrer na tortura). Anselmo era um “espião” ou um “cachorro” – na gíria da repressão – que se infiltrava nas organizações armadas e levando informações para a repressão ajuda a destruí-las. Hoje Anselmo vive escondido em alguma cidade do Brasil. Fez plástica, anda de terno e gravata e morre de medo de ser reconhecido... ahh... ele mesmo diz que foi abandonado pelos membros da repressão que ajudou.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O processo de independência do Brasil (1808 - 1825)

O processo de independência do Brasil (1808 - 1825)

No final do século 18, na Europa as idéias iluministas pregavam os princípios de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Com isso, não se justificava mais a existência de colônias como as da América Latina. No Brasil, a economia mineradora entrara em crise. Devido a esses fatores, essas idéias chegavam aqui com muita receptividade.
Aqui, diversas revoltas explodem contra a Coroa Portuguesa. A maioria delas reclama uma maior participação das elites nas riquezas que deixavam o país. Na Inconfidência Mineira, membros da elite brasileira tramavam tornar parte do país independente, mas foram delatados e punidos. Apenas um foi condenado à morte: Tiradentes, o único que não era da elite. Seu corpo foi esquartejado e exposto nas praças de Vila Rica para intimidar as ações do povo contra Portugal. Já na Inconfidência Baiana os populares eram maioria: Alfaiates, soldados, donas de casa, escravos. Quando a Coroa descobriu suas intenções, prendeu, massacrou e matou os representantes do povo. Perceba: o tratamento para a elite nunca era a pena de morte, mas para o povo não havia outra chance.
Na Europa, ao querer expandir os ideais da Revolução de 1789 (descritos acima) o “imperador” francês Napoleão Bonaparte impôs à Inglaterra um Bloqueio Continental impedindo o seu comércio com o resto da Europa. Como Portugal dependia da Inglaterra, furou o Bloqueio várias vezes, até que em dezembro de 1.807 Napoleão manda um exército invadir Portugal. No desespero, a família real portuguesa aceita uma sugestão inglesa: partir para a colônia Brasil. Como recompensa os ingleses pedem uma série de tratados: logo ao chegar (1.808), a Abertura dos Portos às Nações Amigas deu à Inglaterra a liberdade de comercializar com o Brasil, colocando seus produtos aqui com uma taxa 1% mais baratos do que os próprios produtos portugueses. Também foi dado aos brasileiros o direito de construir manufaturas (mas faltava capital). Perceba: O Pacto Colonial estava acabando, pois inconscientemente, os próprios portugueses estavam afrouxando as rédias sobre o Brasil. Quando tentaram voltar atrás, já era tarde.
De 1.808 à 1.825 há o que podemos chamar de Processo de Independência. Em História as mudanças sempre ocorrem em “Processos” - vários fatores “menores” se acumulam para causar uma mudança histórica “maior”.
O príncipe regente D. João teve grande dor de cabeça ao tentar conciliar os interesses de comerciantes portugueses e ingleses no Brasil. Depois da Derrota de Napoleão em 1815, os países se reuniram em 1817 para reformular o mapa do continente. D. João não poderia participar por estar em uma colônia, então ele elevou o Brasil a “Reino Unido à Portugal”, podendo ser representado na dita reunião. Aqui, os brasileiros gostaram. 
Em 1.820 estourou em Portugal a Revolução Liberal do Porto – feita por comerciantes que exigiam a volta de D. João VI (já coroado rei) ao país e a recolonização do Brasil. Ele voltou à sua terra ( não sem antes levar todas as riquezas do Banco do Brasil que ele mesmo fundou e afundou ) e deixou aqui seu filho: Pedro. Assim, a partir de 1.821 sob pressão dos comerciantes e fazendeiros portugueses que viviam aqui e lá, D. João VI começa a mandar intimações à D. Pedro para que ele retornasse a Portugal, pois o Brasil seria recolonizado. As elites brasileiras, influenciadas pelas ideias iluministas e já acostumadas a condição de não ser mais colônia, cooptaram D. Pedro para perto de si e começaram a agradá-lo com o objetivo de tornar o Brasil independente de Portugal.
Era uma boa troca para os dois lados (menos para o povo brasileiro). As elites davam a D. Pedro o trono de Imperador do Brasil e uma graninha (15 mil libras esterlinas!!) e, ele, apoiaria a elite para tornar o Brasil independente sem a necessidade de recorrer a força política do povo. Assim, os interesses do povão não seriam atendidos e as riquezas da elite não iriam ser distribuídas. Perceba: a luta de classes também se desenvolve ao imobilizar o inimigo.
De maio à setembro de 1.822 a Coroa Portuguesa e o “governo” de D. Pedro trocaram acusações até que em 7 de setembro, quando Pedrinho voltava de uma viagem amorosa junto à Marquesa de Santos recebeu uma carta dizendo que uma frota de navios teria saído de Portugal para buscá-lo. Irritado deu o “grito do Ipiranga” (da independência). Mas, não foi só esse grito que tirou o Brasil das mãos de Portugal. Tanto é que até 1.825, os portugueses não haviam aceito o fato. A situação só se resolveu com (outra) sugestão inglesa: o Brasil deveria pagar uma indenização à Portugal. Todos aceitaram, inclusive os brasileiros que não viam outra saída. Como o Brasil não tinha dinheiro (graças a D. João e D. Pedro) emprestou da Inglaterra. Nascia aí a tão falada Dívida Externa.
        Desde 1817, os pernambucanos lutavam para se tornar independentes e autônomos. Eles queriam que Pernambuco tivesse suas leis, sem dever obediência ao rei, seja de Portugal ou o do Brasil. Havia pessoas que defendiam uma Republica no nordeste. Em 1817, a revolta pernambucana foi derrotada, mas a semente do FEDERALISMO continuou a crescer. Em 1821, vendo que as coisas se encaminhavam para o poder ficar concentrado nas mãos de D. Pedro I, os pernambucanos chegam a negociar a sua autonomia em separado com Portugal. As elites do RJ ficaram muito assustadas, tinham medo de que outras regiões quisessem se separar também. Em 1823, as elites do Rio procuram pacificar as coisas prometendo aos pernambucanos que o imperador não iria concentrar os poderes, mas estavam enganados. Em 1824, D. Pedro I impõe uma Constituição em que ele tem amplos poderes e a revolta estoura no NE. Liderados por Pernambuco, na Paraíba, no Rio Grande do Norte, no Ceara, e no Piauí a idéia era proclamar uma republica federalista em separado do Brasil. Como você vai ver, D. Pedro I manda tropas de mercenários para matar brasileiros no NE e mantém o país unificado. Mas pense... pagamos que preço para isso?
Conclusão: Para o povo, a independência não mudou nada! As condições de vida continuaram ruins e, pior, economicamente: a escravidão, o latifundismo, a monocultura e a dependência ao mercado externo eram os mesmos da época colonial. Aliás, como Brasil e Portugal não se falaram mais depois de tantas brigas, todo o comércio brasileiro caiu nas mãos dos ingleses que se aproveitaram da fraqueza da economia daqui para acumular mais capital às custas do Brasil. Agora a colônia estava “dependent” dos ingleses. Enfim, havia só mudado de mãos. O historiador Nelson Werneck Sodré escreveu que um país só deixa de ser colônia quando sua produção é destinada a seu próprio mercado interno. No Brasil, como até por volta de 1.860 – 1.870 a maioria da população era de escravos (não-consumidora), em 1.822, o país continuou a ser uma colônia econômica.

As maiorias dos países das Américas se tornaram independentes no século 19, mas o Brasil foi o único que continuou a seguir a forma de governo européia: a Monarquia. Por causa disso, o país era mal visto pelos seus vizinhos em todo século 19. Eles imaginavam que os europeus iriam reconquistá-los a partir daqui. Politicamente, o imperador D. Pedro I formou seu ministério com indivíduos da elite brasileira, e todos eles eram ou portugueses de nascimento ou – quando muito – filhos de portugueses nascidos no Brasil. Afinal: o governo independente era português? O Brasil estava realmente livre de Portugal? Acontece que a independência do Brasil foi a mais conservadora possível, ou seja, não se mexeu em nada que pudesse atacar os privilégios das elites donas de terras e comerciantes do país.