O
governo João Goulart e o golpe civil-militar de 1964
Para começar você pode imaginar que o
governo de Jango ocorreu com uma forte oposição de todas os grupos e
instituições conservadoras-reacionárias que havia no país na década de 1960. Em
1961, associavam-se nesse “bloco” os capitalistas estrangeiros, muitos
capitalistas brasileiros, a UDN (é claro!), os militares golpistas e outros.
Mas esse bloco vai engrossar – diversos grupos vão aumentar o seu grito
exigindo um golpe contra Goulart. Esse “bloco” será chamado até a partir de
agora de “multinacional-associado” (R. A. Dreifuss) ou “multinacional-liberal” por
representar os interesses do capital estrangeiro e daqueles que se associam
econômica e politicamente a esses interesses. Por outro lado, podemos
identificar o “bloco nacional-estatista”, defendendo a defesa de interesses
nacionalistas e do Estado como promotor das mudanças sociais.
Nesse momento, o governo dos EUA ainda não
vê com bons olhos a deposição de governantes na América para “manter o
capitalismo”. Por hora, o governo Kennedy aplica seus esforços na “Aliança para
o Progresso”, tentando minar a possibilidade de revolução socialista ou mesmo
de reformas profundas nesses países. A classe média – que irá aderir por medo
do “comunismo ateu” e a Igreja Católica (a mais forte do Brasil à época) ainda
não estão totalmente mobilizadas.
Por outro lado, os grupos políticos que
representam o pensamento “nacional-estatista” eram heterogêneos, mas – em sua
grande maioria – vão apoiar o governo Goulart. Entre estes estavam o PCB, o
PTB, o PSB, os políticos da esquerda nacionalista: Leonel Brizola, Miguel
Arraes, Francisco Julião (das Ligas Camponesas) e outros. Embora disperso, esse
grupo vê o governo de Jango como uma enorme possibilidade de fazer as reformas
sociais necessárias para um Brasil melhor. Evidentemente, muitos destes não
queriam ficar só nas reformas. Havia adeptos da “revolução”, especialmente após
a vitória das Revoluções Chinesa (1949) e Cubana (1959).
Em agosto de 1961, a renúncia de Jânio Quadros
e seu plano espalhafatoso de voltar nos braços do povo, dando um golpe de
Estado vai por água abaixo. O povo – que Jânio imaginava manipular – não vai às
ruas pedir sua volta. O Brasil entra em uma profunda crise política na qual os
comandantes militares e setores das elites liberais (UDN) não aceitavam a posse
de João Goulart (Jango) e anunciam ao país suas intenções. As rádios são
tomadas e os aeroportos controlados pela aeronáutica recebem a ordem de prender
Goulart assim que ele pisasse no Brasil (estava em viagem à China socialista). Para
piorar, o Congresso Nacional - numa madrugada - viola a Constituição e retira o
“vice-presidente” da ordem de sucessão na ausência do presidente. Por outro
lado, no Rio Grande do Sul, o governador Leonel Brizola resiste e cria a “Campanha
da Legalidade”. Usando os transmissores de uma rádio, ele chama o povo para resistir
à tentativa de golpe. O comando do exército dá uma ordem ao Gal. Machado –
comandante do III Exército, com sede em Porto Alegre – para prender Brizola,
mas aquele se apresenta ao governador e se declara fiel a Legalidade. Diante de
manifestações populares em diversas cidades pela posse de Jango (que entra pelo
sul do país), os golpistas querem um acordo: Jango assumiria, mas em um sistema
parlamentarista. Brizola é contra, mas Goulart aceita a proposta. Curiosamente,
no acordo havia uma exigência dos golpistas: Jango não podia falar para a
população até a posse; temiam que Jango influenciasse a população a seu favor
(lembre-se: as elites olhavam Goulart e viam Vargas!!!) ... a posse será em 07
de setembro de 1961.
O governo Goulart começa com um problema
para resolver. Jânio havia mudado regras econômicas por instruções da SUMOC
(Superintendência da Moeda e Crédito) e liberado o câmbio do dólar. A moeda
subia mais que o esperado e um monte de produtos vindos de fora subiam de preço
a níveis que atingiam em cheio o bolso do povão e da classe média.
Além disso, a oposição a Goulart atacava,
taxando-o de fraco e desequilibrado para governar. Para variar o maior opositor
de Jango era Carlos Lacerda. Devido a seu poder de comunicação (falava muito
bem, tinha conhecimento e era dono de um jornal, o Tribuna da Imprensa) Lacerda
será eleito em 1962 para governador da Guanabara (era o Distrito Federal; atual
região metropolitana do RJ). A partir daí a oposição de Lacerda a Jango
cresceu, pois os dois coabitavam o mesmo espaço e o primeiro tinha a “mídia” da
época a seu lado e uma enorme força política e policial. Lacerda também era
adorado por setores mais extremistas das Forças Armadas.
O projeto de governo de Jango se baseava nas
“Reformas de Base” que pretendiam mudar a estrutura sócio-econômica do Brasil,
distribuindo renda e acesso aos serviços públicos. Havia reformas em diversas
áreas. Vejamos algumas delas:
·
Agrária:
projeto de desapropriar as terras ao longo de ferrovias e rodovias para
distribuir aos “sem-terras” da época;
·
Administrativa:
controlando, p.ex., a contratação de parentes para cargos públicos;
·
Bancária:
controlando os lucros exorbitantes que esse setor tinha;
·
Urbana:
diminuindo o preço do aluguel ao controlar a especulação imobiliária;
·
Educacional:
através do projeto de Darcy Ribeiro que visava uma educação crítica em todos os
níveis do ensino nacional;
·
Trabalhista:
estendendo a CLT para os trabalhadores do campo e garantindo mais direitos aos
trabalhadores urbanos, como a estabilidade de emprego;
·
Econômica:
limitava as remessas de lucros das multinacionais ao considerar como lucro tudo
o que fosse reinvestido e retirado por meios ilegais do país.
Uma das grandes brigas do governo Goulart
foi a questão da Reforma Agrária. Jango esforçava-se muito por esse projeto. O
obstáculo maior era que, para desapropriar as terras, o governo era obrigado a
pagar o fazendeiro com dinheiro vivo. Jango queria mexer na Constituição,
tornando o pagamento possível com títulos do governo. A oposição não aceitava.
Desde
o final da década de 1950 havia sido formado no interior do país, e
principalmente no nordeste, as Ligas Camponesas. Organizadas pelo advogado e
deputado Francisco Julião, lutavam pela Reforma Agrária. Os “coronéis”, donos
das terras – que estavam se preparando para uma guerra – odiavam a ideia de os
pobres do campo se organizarem para reivindicar direitos. O pior é que Julião
embarcou nessa, foi para Cuba e radicalizando criou o lema “Reforma agrária: na
lei ou na marra”. Julião ainda dizia ter milhares de camponeses armados,
prontos para agir numa guerra contra os senhores... tudo cascata. Em 1964, não
haverá nenhum sertanejo pronto para a luta...
Outro problema para Goulart foi uma decisão
tomada pelo então governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango, Leonel
Brizola. Ele expropriou os bens (não as ações) de uma filial da IT&T
(International Telephone & Telegraf) - multinacional norte-americana da
área de telefonia. A ação contra a “Companhia Telefônica Nacional” ocorreu,
segundo Brizola, pois fazia um serviço caro e de péssima qualidade. Ele já
havia encampado a Companhia de Energia Elétrica Riograndense, filial de outra
norte-americana, AMFORP ou American & Foreign Power (Bond & Share). O
governo dos EUA exigiu de Jango uma reparação. Quando houve acordo, a esquerda
(forte no bloco nacional-estatista) criticou a quantidade de dinheiro que o
governo brasileiro iria dar a IT&T para compensar a expropriação. Brizola
dizia:”...não vale tudo isso... é tudo sucata!!”.
A relação com os EUA ainda pioraria quando o
governo brasileiro se recusa a apoiar este país contra Cuba durante a crise dos
mísseis com a URSS (final de 1962). Goulart defendia o que se chama de
“Política externa independente”. Em plena Guerra-fria esta posição era
considerada por demais independente para um “paísinho” subordinado como o
Brasil.
Nas eleições de 1962, um outro componente
entra em cena: o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) – instituição
organizada e financiada com dinheiro de empresários (nacionais e estrangeiros)
e em contacto com a CIA (Central Inteligency Agency - Serviço de espionagem
norte-americano) para desestabilizar e, depois, derrubar o governo Goulart. É
isso mesmo que você está lendo: o
empresariado – a burguesia – pagou para o golpe acontecer! Entre estes magnatas
das comunicações na época; donos de colégios e faculdades privadas; além de
muitas multinacionais: Ford, Mercedes-Benz, Coca-Cola...
O golpe será chamado por estes de “revolução”
e defesa da “democracia” (SIC). Todos se dizem “democráticos, mas como “em
política não vale o que se fala, mas o que se faz”... (lembre-se sempre dessa frase), o termo “Democrático” é, no século
XX, sinônimo de “capitalismo” de manutenção das desigualdades e da estrutura
social desigual e não de uma sociedade mais justa, menos desigual, com direitos
civis e políticos...
O IPES, chefiado por banqueiros brasileiros,
recolhia “contribuições” dos empresários para financiar todo tipo de propaganda
contra o bloco nacional-estatista e, óbvio, Jango. Nas eleições de 1962, houve
centenas de candidatos da direita que tiveram suas campanhas pagas pelo IPES ou
por dinheiro que o Departamento de Estado do governo dos EUA enviava para as “ilhas
da sanidade administrativa”, isto é, a oposição a Jango. Mas – como a direita
não é burra – havia uma outra instituição que fazia a fachada para o IPES não
aparecer: era o IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática). Por meio desta
as campanhas contra Goulart (através de jingles,
panfletagem, edições de livros e periódicos, emissoras de rádio etc.) serviram
para desgastar a imagem do presidente. Ahh!! ...o embaixador dos EUA também
agia, por baixo dos panos, contra o governo...
Mas havia vitórias do bloco nacional-estatista
também: Miguel Arraes foi eleito governador de Pernambuco (estado sempre
comandado pela direita) e Leonel Brizola foi eleito deputado federal pela
Guanabara, com uma votação superior a de Luis Carlos Prestes (PCB) em 1946. O
PTB duplicou o número de deputados nessas eleições.
No parlamento, os partidos políticos se
dividiam quando ao apoio ao governo Jango. O PTB era, em grande maioria, a
favor das ações do presidente. Mas havia dissidentes. O PSD era, a princípio
contra, mas pensava negociar algumas das reformas que Goulart queria fazer. A
UDN, em maioria era contra, mas havia uns poucos dispostos a conversar.
Perceba que as posições dos partidos estavam
divididas entre os dois blocos que disputavam a hegemonia para seu projeto. Por
isso é que se formou a ADP (Ação Democrática Parlamentar) congregando políticos
da UDN, uma parte do PSD e alguns do PTB. Havia também os políticos do PSP
(Partido Social Progressista) do corrupto político paulista Ademar de Barros.
Eram favoráveis ao bloco
multinacional-associado, mas é claro, alguns tinham ressalvas a fazer ao
capital estrangeiro. Por outro lado, havia a FPN (Frente Parlamentar
Nacionalista) que articulava a “ala moça” do PSD (como eram chamados os
nacionalistas dessa agremiação), o PTB em peso, o PSB (partido socialista
brasileiro) que defendia as ideias do bloco nacional-estatista.
O parlamentarismo instituído em 1961 não
funcionou. O primeiro-ministro Tancredo Neves saiu do cargo para disputar as
eleições parlamentares em 1962. Também estava cansado de tentar articular um
sistema de governo misto (meio presidencialista, meio parlamentarista) durante
a crise política e econômica que aumentava. Dois outros primeiros-ministros
passaram pelo gabinete, mas a insatisfação era grande: Jango queria ser
presidente para valer. Outros políticos queriam disputar as eleições de 1965 no
presidencialismo. Os empresários achavam que um governo concentrado resolveria
a crise econômica. A esquerda queria que Jango assumisse mais poder para poder
realizar rapidamente as Reformas de Base. Os militares achavam que com o
presidencialismo era mais fácil decidir e resolver problemas.
Como era de seu costume desde o tempo como
Ministro do Trabalho de Vargas Jango apoiou as reivindicações de trabalhadores
e a formação de uma central sindical de âmbito nacional. Assim, a CGT (Comando
Geral dos Trabalhadores) – atuando ilegalmente – coordenava as greves,
especialmente de funcionários públicos, com o objetivo de reaver as perdas
salariais e de aumentar os direitos dos trabalhadores, apoiando as Reformas de
Base e a campanha pela antecipação do plebiscito do presidencialismo para
janeiro de 1963.
Realizado o plebiscito o presidencialismo
ganhou com esmagadora maioria. Mas Jango teria plenos poderes para poder
implantar as reformas de base?
No entanto, havia um problema: a crise
econômica se agravara. A inflação ultrapassava os incômodos 40%. O pagamento da
dívida externa também estava comprometido. A moeda caia.
Para resolver esse problema, o braço direito
de Jango no governo, San Thiago Dantas vai a Washington (EUA) tentar negociar
empréstimos para o Brasil. Lá, ouviu promessas e a cobrança de solução da
questão da AMFORP. Aqui Brizola denunciava as fraudes que a empresa
norte-americana fez para dizer que precisava ser ressarcida. Tudo falso: os
americanos já haviam recuperado todo o investimento feito no Brasil, mas
mentiam dizendo que estavam em prejuízo. San Thiago Dantas fecha um acordo nos
EUA, mas quando chega ao Brasil, a pressão sobre ele é tão grande que sai do
governo. Washington não gostou. Achou que Jango perdera seu ponto de apoio. A
partir daí, o dinheiro prometido não viria. Com a ajuda do embaixador Lincoln
Gordon o governos dos EUA só emprestaria dinheiro aos políticos, estados e
municípios que representassem as “ilhas da sanidade”. Perceba: colocar dinheiro
dentro de um país, sem a conivência do governo federal, significa passar por
cima da soberania do país. É um atentado a essa e uma ofensa ao povo que elegeu
e referendou um presidente.
Ao mesmo tempo Jango realizava medidas
econômicas e sociais que davam lhe grande prestígio junto à população. Em 1964,
o presidente chega a estar com mais de 70% de aprovação em relação às medidas
que tomava. E isso, com inflação e tudo. O projeto que Jango aplicava era uma
continuação do getulismo, porém aumentando os direitos trabalhistas e sem a
mitificação que Vargas fez de si próprio. Podemos chamar de trabalhismo e, segundo Luiz A. Moniz
Bandeira, essa projeto político se assemelha muito a social-democracia do
início do século XX.
1963 foi um ano agitado para Jango: uma CPI
(Comissão Parlamentar de Inquérito) revela que o IBAD financiou ilegalmente
muitas campanhas em 1962. O IBAD foi fechado, mas – por haver muitos deputados
envolvidos no caso fazendo parte da CPI – o IPES ficou ileso...
Em agosto um grupo de 500 sargentos se
rebela em Brasília. Até a esquerda mais radical foi pega de surpresa. Os
sargentos reivindicavam a elegibilidade e a possibilidade de se casarem. Tomam
uma rádio, leem manifesto e... a revolta não tinha mais o que fazer. Cercados
pelo exército se rendem. As Forças Armadas querem puni-los, mas Jango anistia
os rebelados. No embalo dessa revolta, o tom das críticas dos militares ao
governo aumenta: muitos generais criticam Jango por causa das greves,
“desordem”, “caos”, “comunismo”. Para os militares que aprendem que tudo é
“hierarquia” e “ordem”, uma greve é um absurdo. Afinal qual é o problema de um
trabalhador morrer de fome desde que esteja obedecendo e respeitando seu
superior?
As articulações do governo dos EUA para
derrubar Jango aumantam de intensidade quando em 1963, o presidente Kennedy é
assassinado em Dallas (Texas). Motivo: não quis invadir Cuba novamante. Foi
taxado de “comunista” pelos fanáticos da burguesia bélica e por setores reacionários
nos EUA. Seu sucessor, Lyndon Johnson,
mudara a política externa norte-americana para a América Latina: a
partir daqui, os golpes de Estado são bem vistos e apoiados. Assim, Vernon Walters
(adido militar dos EUA para o Brasil) se tornará uma figura chave para a
articulação do golpe junto ao gal. Humberto Castelo Branco. Milhares de
militares dos EUA, os “boinas verdes”, são mandados para o nordeste brasileiro com
o intuito de lutar contra as forças do governo. As elites brasileiras se
preparam para uma “guerra civil”. Fazendeiros compram armas. Lacerda “bate” em
Jango o tempo todo: “fraco”, marionete dos comunistas” etc. Bilac Pinto da UDN
incita os ricos a se armarem: “Armai-vos
uns aos outros, pois nós já estamos armados”...
Em outubro de 1963, diante da suspeita de planos
vindos de pessoas ligadas a polícia da Guanabara para matar Jango e sua família
no feriado do dia 12, alguns militares nacionalistas pedem para Jango decretar
“estado de sítio”. A intenção era destituir Lacerda na Guanabara e Ademar de
Barros em São Paulo (pois conspiravam abertamente). Barros compara armas para a
força pública (polícia civil) de SP e dizia abertamente que era para a “guerra
civil”. A proposta de estado de sítio vai para o congresso, mas não chega a ser
votada: diversas entidades e pessoas que apoiavam Jango se recusam a aceitar
aquela medida. Não confiando no presidente achavam que ele poderia usar isso
para dar um golpe de estado (perceba: mesmo os apoiadores de Jango olham pra
ele e veem Getúlio Vargas. Miguel Arraes, em PE, tinha medo de que fosse
retirado de seu cargo. A UNE se declara contrária. Brizola e Prestes apoiavam.
Com a oposição batendo e os apoios divididos Jango retira a proposta antes de
ser votada. Grande derrota...
A partir do início de 1964 o bloco
multinacional-associado conspira abertamente para derrubar Jango. Lacerda pede
na mídia que os militares derrubem Jango!?!! O governo dos EUA, articulado aqui
pelo embaixador Lincoln Gordon e por agentes da CIA, monta a operação “Brother
Sam” que previa o desvio de um arsenal de guerra do Caribe para o Brasil...
estava previsto para chegar aqui lá pelo 8 de abril. A UDN fala abertamente em
“golpe” e “guerra revolucionária” (SIC).
Aumentam o número de greves e manifestações
de apoio dos trabalhadores para Jango. Este - pressionado por todos os lados,
inclusive pela esquerda mais radical (que incluía seu cunhado Brizola) –
desiste de fazer acordos com a direita. 1964 seria ano de reformas de base...
na lei ou na marra! Jango faz algumas reformas que beneficiam o povo. Homologa
uma lei do tempo de Jânio que prevê limitações as remessas do capital estrangeiro.
Essa lei foi feita por um deputado do PSD e Jango – num erro absurdo – demorou
para colocá-la em prática. A questão da reforma agrária gera maior
controvérsia. Os partidários de Jango, alguns incentivados por Brizola,
radicalizam: diziam que com esse Congresso não dava mais para conversar. O
negócio era mudar a Constituição através de decreto presidencial. Diziam também
ser necessário mexer na não-elegibilidade de Jango ou Brizola para as eleições
de 1965. Por sua vez o próprio presidente se isolou dos setores da direita que
queriam uma solução “normal” para o impasse. Goulart sempre foi uma pessoa que
fez da negociação e da conciliação suas “armas políticas”. Agora abandonou
essas armas...
Como resposta, a direita reagia defendendo a legalidade da Constituição, i. e., dizia
que Jango era golpista e que preparava um regime de “república sindicalista”
nos moldes que R. D. Péron criou na Argentina (de novo, a visão de olhar Jango
e ver Vargas...). Acusavam também Goulart de se entregar ao “Movimento
Comunista Internacional”. Os jornais se enchiam de charges denunciando Jango
como “marionete” de Luis Carlos Prestes e do PCB.
A partir daqui os ânimos vão esquentar:
Prestes dá uma entrevista na TV Tupi e chama os generais da direita de “Gorilas
golpistas”. Em outro momento provocou: “Já temos o poder, só nos falta o
governo...” Perceba: a ideia de gorilas
mascara a enorme conspiração civil que estava por trás do golpe. As
declarações de Prestes foram, no mínimo, impensadas e provocativas, pois exercer
poder é mais difícil do que ser governo.
Em 13 de março de 1964 as forças favoráveis
ao governo, especialmente o PTB, promovem na Central do Brasil (RJ) um comício.
Arraes, Brizola, sindicalistas da CGT entre outros discursaram. Mas o mais
esperado era Goulart. Ao lado de sua bela esposa Maria Tereza ele falou por
mais de duas horas. Estava tenso, abandonou o discurso preparado e, emocionado,
falou para mais de 100 mil pessoas. Defendeu as Reformas de Base e anunciou a
homologação de dois decretos: o da reforma agrária e o do controle sobre as
remessas de lucros do capital estrangeiro. Também atacou os que queriam
derrubá-lo. O público foi ao delírio.
Próximo dali, o gal. Humberto Castelo Branco
viu o comício e – como líder da conspiração decidiu que estava chegando a hora
de agir. Para ele era um absurdo a CGT existir, o povo pedir e Goulart
conceder. No entanto, mesmo que os militares golpistas se irritassem ainda havia
muitos “legalistas” nas Forças Armadas. O que fazer para convencer os indecisos
a conspirar contra o governo? No dia 20 de março, Castelo lança uma Circular Reservada unindo os golpistas. E
hoje, os golpistas mentem ao dizer que Castelo só aderiu ao golpe de última
hora...
Em 19 de março a classe média e a Igreja
católica dão uma resposta a Jango. Chamados pela Igreja e por grã-finas ricas
que vão às favelas dizer que os comunistas iriam roubar os filhos das pessoas
pobres, 500 mil pessoas saem às ruas de SP na “Marcha com Deus pela família e a liberdade”. O embaixador dos EUA,
L. Gordon, notou em telex para seu governo que havia pouquíssima participação
popular na marcha. Por que será, né?
Os militares dizem que depois de 13 de março
eles eram cada vez mais cobrados por membros das classes médias para derrubar Jango.
Mas faltava algo... O general Assis Brasil, chefe do Gabinete Militar do
governo dizia a Jango que tinha um “dispositivo militar” pronto para enfrentar
os golpistas. Cascata? Incompetência? Na “hora H” o tal dispositivo aderiu ao
golpe...
Em 24 de março estoura uma rebelião dos
marinheiros contra as rigorosas regras internas da marinha e por direitos
políticos (reconhecimento de associação sindical, elegibilidade etc.). Tropas
do exército são deslocadas para o sindicato dos metalúrgicos do RJ para prender
os rebelados, mas aderem à revolta. O mais radical de todos os marujos é o
“Cabo Anselmo” ou José Anselmo dos Santos[1].
Para muitos em 1964 ele era um espião da CIA e trabalhava como agente
provocador, i. e., para radicalizar a rebelião e tornar as coisas mais difíceis
para o governo. A marinha conseguiu prender os rebelados, mas Jango os
anistiou. Irritados com a quebra da
hierarquia do presidente, os almirantes da Marinha passaram para o lado dos
golpistas.
Mas havia mais... no dia 30 de março a
noite, Jango numa reunião de sargentos no Automóvel Clube do RJ. Discursa
apoiando as reivindicações dos presentes. Foi a gota d’água: lá pelas duas da
manhã, quando o discurso terminou, em Juiz de Fora (MG) o gal. Olímpio Mourão
Filho (o mesmo do Plano Cohen do golpe de 1937!!) já estava fardado e saiu com
suas tropas em direção ao RJ para derrubar Jango. Castelo e outros golpistas,
com medo de que o governo pudesse por tropas contra os golpistas, tentaram
barrar Mourão mas, não conseguindo, apoiam o general.
Mourão chegou ao RJ às duas da manhã de 01
de abril de 1964. Jango já havia ido para Brasília, mas sabendo que outros
generais mexiam suas tropas para prendê-lo, voa para o RS, durante a madrugada
do dia 02 de abril. Nesse momento, no Congresso o Senador Auro de Moura Andrade
– antigo desafeto de Jango – faz uma sessão relâmpago e, surpreendendo a todos,
declara vaga a presidência da República
por que Goulart havia deixado o território brasileiro (o que era mentira!). Era
a cobertura legal para o golpe que estava em andamento.
Chegando a Porto Alegre Jango se reúne com
assessores, Brizola, Ladário Telles (comandante do III Exército) e outros.
Muitos queriam resistir, mas Jango não queria ver derramamento de sangue.
Vários legalistas queriam, mas não tiveram apoio de Jango para reagir.
Em 02 de abril o golpe estava consumado. O
detalhe é que muitos militares indecisos acabaram ficando do lado dos golpistas
por uma questão de hierarquia e ordem... outros foram literalmente comprados
pelos golpistas...
A CGT foi fechada, a sede da UNE destruída,
milhares de pessoas presas e torturadas. O militante Gregório Bezerra (PCB),
com mais de 60 anos, foi amarrado à traseira de um jipe na sede do IV Exército
em Pernambuco e arrastado pelas ruas de Recife. Além disso, cassação de
direitos, humilhações, prisões, expulsão dos legalistas das Forças Armadas e
exílio passam a ser uma constante.
“Bem-vindo” ao período mais obscuro da
História do Brasil... os longos 21 anos da Ditadura
Civil-Militar (1964-1985).
Fontes:
Fontes:
BANDEIRA,
Moniz. Brizola e o trabalhismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1979. Col. Retratos do Brasil, vol. 122.
BANDEIRA,
Moniz. O governo Goulart – As lutas sociais no Brasil (1961 – 1964). Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira,
1977. Col. Retratos do Brasil, vol. 110.
BANDEIRA,
Moniz. O governo Goulart – As lutas sociais no Brasil (1961 – 1964). Rio
de Janeiro: Revan, DF, Ed. da UnB, 2001 – 7ª ed.
BENEVIDES,
Maria Victoria M. O governo Jânio Quadros. São Paulo: Brasiliense, s/d.
Col. Tudo é História, vol. 30.
BENEVIDES,
Maria Victoria M. O PTB e o trabalhismo – partido e sindicato em São Paulo
(1945 – 1964). São Paulo: Brasiliense/CEDEC, 1989.
CARONE,
Edgard. O P.C.B. – (1943 – 1964) vol. 2. Rio de Janeiro: Difel, 1982. Col. Corpo e Alma do Brasil,
vol. LXI.
CHAUÍ,
Marilena de Souza. Brasil – Mito fundador e sociedade autoritária. São
Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000. Col. História do povo brasileiro.
CUNHA, Paulo
Ribeiro. Aconteceu longe demais – A luta dos posseiros em Formoso e Trombas
e a Revolução Brasileira (1950 – 1964). São Paulo: Ed. da Unesp, 2007.
D’ARAÚJO,
Maria Celina, SOARES, Gláucio A. Dillon e CASTRO, Celso (introd. e org.). Visões
do Golpe – a memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
DECCA, Edgar
S. de. 1930: o silêncio dos vencidos – memória, história e revolução.
São Paulo: Brasiliense, 6ª edição, 1994.
DREIFUSS,
René A.. 1964: a conquista do Estado – ação política , poder e golpe de
classe (trad. Ayeska B. O. Farias, Ceres R. P. de Freitas, Else R. P.
Vieira e Glória Mª M. Carvalho). Petrópolis: Vozes, 1981 – 2ª ed.
DUARTE,
Antonio. A luta dos marinheiros. São Paulo: Inverta, 2005.
FERREIRA,
Jorge. O imaginário trabalhista – getulismo, PTB e cultura política popular
1945 – 1964. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2005.
FERREIRA, Jorge (org.). O populismo e sua
história - debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
FICO, Carlos.
Além do golpe – versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar.
Rio de Janeiro: Record, 2004.
FICO, Carlos.
Como eles agiam – Os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia
política. Rio de Janeiro: Record, 2001.
FICO, Carlos.
O grande irmão: da operação brother sam aos anos de chumbo – o governo dos
Estados Unidos e a ditadura militar brasileira. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2008.
Foucault, Michel. Microfísica do Poder (org.
e trad. Roberto Machado). Rio de Janeiro: Graal, 1999, 14ª ed.. Biblioteca de
filosofia e história das ciências, vol.: 07.
GASPARI,
Elio. As ilusões armadas – a ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia
das Letras, 2002.
HOBSBAWN,
Eric J.. A era dos extremos. O breve século XX (1914 - 1991). São Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
HOBSBAWN,
Eric J.. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
LAPA, José
Roberto do Amaral. História e historiografia pós - 64. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1985. Col. Estudos
Brasileiros, vol. 87.
MARTINS FILHO, João Roberto(org.). O
Golpe de 1964 e o regime militar – novas perspectivas. São Carlos, Ed. da
UFSCar, 2006.
MORAES, Dênis
de. A esquerda e o golpe de 64 – vinte e cinco anos depois as forças
populares repensam seus mitos, sonhos e ilusões. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1989.
PAGE, Joseph
A.. A revolução que nunca houve - o nordeste do Brasil, 1955 - 1964.
(trad. Ariano de Suassuna) Rio de Janeiro:
Record, 1972.
PINHEIRO,
Luiz Adolfo. A República dos Golpes (de Jânio à Sarney). São Paulo: Best
Seller, 1993.
REIS FILHO,
Daniel Aarão, RIDENTI, Marcelo e MOTTA, Rodrigo Patto Sá (org.). O golpe e a
ditadura militar 40 anos depois (1964 – 2004). Bauru/São Paulo: EDUSC,
2004. Coleção História.
SKIDMORE,
Thomas. Brasil: de Getúlio à Castelo (trad. coordenada por Ismênia Tunes
Dantas). Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988.
Sousa, maria do Carmo Campello. Estado e partidos
políticos no Brasil (1930 - 1964). São Paulo: Alfa Omega, 1976.
SOUZA, Percival de. Eu, Cabo Anselmo. Rio de
Janeiro: Globo, 1999.
STARLING, Heloisa Maria Murgel. Os senhores
das Gerais – os Novos Inconfidentes e o
golpe de 64. Petrópolis: Vozes, 1986.
STEPAN, Alfred. Os militares na política –
as mudanças de padrões na vida brasileira (trad. Ítalo Tronca). Rio de Janeiro: Artenova, 1975.
TOLEDO, Caio
Navarro de (org.). 1964: Visões críticas do golpe – democracia e reformas no
populismo. Campinas, Editora da UNICAMP, 1997. Col. Momento.
TOLEDO, Caio
Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. São Paulo: Brasiliense,
1982. Col. Tudo é História, vol. 48.
[1]
Durante
a ditadura Anselmo participou da luta armada e, entregou dezenas de pessoas
para a o delegado Sérgio Paranhos Fleury (inclusive uma namorada grávida, para
morrer na tortura). Anselmo era um “espião” ou um “cachorro” – na gíria da
repressão – que se infiltrava nas organizações armadas e levando informações
para a repressão ajuda a destruí-las. Hoje Anselmo vive escondido em alguma
cidade do Brasil. Fez plástica, anda de terno e gravata e morre de medo de ser
reconhecido... ahh... ele mesmo diz que foi abandonado pelos membros da
repressão que ajudou.