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segunda-feira, 26 de outubro de 2015

As relações de poder na sociedade capitalista

As relações de poder na sociedade capitalista

Quando falamos em poder, devemos primeiramente salientar a noção de poder como sendo diferente da de AUTORIDADE. Uma relação de autoridade ocorre quando em meio as relações de trabalho, estudo, etc. há posições hierárquicas de comando (chefe/subordinados ou diretor/professor/alunos), em que uma autoridade exerce poder sobre os seus subordinados por estar acima deles na escala hierárquica. O que garante a essa autoridade o exercício de poder, são as regras ou normas que estabelecem o cargo. Exemplo: respeita-se um governante (prefeito, governador ou presidente), pois sabe-se que o desrespeito será incriminado pela lei – que é uma forma de manter a autoridade exercendo poder.
       Sobre o poder, devemos afirmar: “ninguém tem poder”. Quando as pessoas falam que “fulano tem poder”, estão confundindo poder com autoridade. O poder não é um objeto ( algo concreto ) e sim uma forma abstrata de pensamento/ação. O poder se exerce, por isso ele é frágil e instável. Sendo assim, não se exerce poder com fraqueza e/ou sem preocupar-se em mantê-lo, pois, sua instabilidade leva a perda a qualquer momento. Atualmente, a burguesia – a classe que mais exerce poder – criou: leis, meios de comunicação de massa, sistema de Direito e o se apropria cada vez mais do Estado, para manter esse poder. Perceba que o exercício do poder está em oposição ao exercício da liberdade.
      No entanto, as relações de poder não ocorrem somente do Estado ou do sistema de direito em direção às pessoas, ou seja, de uma instituição para o sujeito social. As relações de poder também se exercem em um espaço menor, em relações individuais ou conjuntas entre os indivíduos (sem a intervenção do Estado ou de leis, direito, etc.). Assim, em todas as relações sociais há poder a ser exercido e aquele que estiver melhor preparado, irá exercê-lo. Dentro de casa, ou nos grupos da escola, sempre há alguém que tem maior saber, logo exerce poder sobre os outros. Então:

                     O saber leva ao exercício do poder

       Isso ocorre porque que adquire saber sobre algo, acaba sendo uma “autoridade” naquilo. Agora, vejamos uma comparação entre formas de exercício de poder na sociedade capitalista e escravista:
·         Em uma sociedade escravista, os trabalhadores são forçados pelo chicote e berro a obedecer e resistem a isso, pois as relações de poder são muito negativas e claras para os escravos.
·      Na sociedade capitalista, pelo contrário, o indivíduo atingido pela disciplinarização e adestramento recebe em troca algum benefício pela sua obediência e, por isso, sente orgulho de ser dominado; além disso, se exercita cada vez mais para obedecer e se tornar melhor no que faz. Logo, na sociedade em que vivemos as relações de poder são positivas. Com ela, o sujeito está ao mesmo tempo, ganhando força econômica (no sentido de render mais no trabalho pelo seu aperfeiçoamento) e perdendo força política (pois é individualizado e perde sua força de contestação e decisão de seu próprio futuro enquanto membro de uma classe social).
As relações de poder na sociedade capitalista foram modeladas a partir do século XVIII na Europa e no XIX no Brasil. O modelo básico de instituição que propagou as relações de poder foi a penitenciária. A partir dela as relações de poder das outras instituições foram sendo moldadas: escolas, exércitos, empresas, igrejas, etc.
            No século XVIII, Jeremy Bentham criou, a partir de uma idéia que seu irmão teve ao visitar o zoológico de Paris, uma instituição modelo: o PANOPTICAM. Nele há uma sala central circulada por salas cumpridas e perpendiculares ( as celas ), onde as divisórias entre sala central/salas cumpridas são de vidro para que a pessoa que está na sala central possa vigiar as demais que estão nas celas.  Portanto, um empresário, padre, professor, diretores de presídio e oficial do exército, pode assim, controlar os indivíduos que estão sob seu olhar, sejam eles: operários, beatos, alunos, presidiários ou soldados. 
Numa prisão, o Panopticam funciona mais ou menos assim: com auxílio da luz externa, aquele que está na sala central exerce poder de vigilância o tempo todo sobre os indivíduos das celas. Então, perceba: Vigiar é a palavra chave para manter as relações de poder na sociedade capitalista. Segundo o pensador e historiador francês Michel Foucault  é “mais eficaz vigiar que punir” (Microfísica do poder, p. 130, Graal).




A punição é muito “cara” àqueles que exercem poder, por isso, se houver vigilância há um menor desgaste do poder. Um exemplo comparativo para entender melhor:
a)  Em uma sociedade escravista, um feitor exerce poder diretamente sobre o escravo por meios violentos, desgastando-o até certo ponto em que o escravo nunca aceita sua condição de cativo.
b) Um patrão capitalista não exerce seu poder diretamente sobre o operário, ele cria uma série de mecanismos de vigilância e de auto - disciplina  que economizam esforços do patrão. Portanto não é preciso ficar o tempo todo de olho nos trabalhadores, por isso, não há uma exposição do poder ao desgaste que é natural às relações de poder entre dominador e dominado.

Existem duas formas de adestramento ligadas às relações de poder:
1 – A punição por representação: o indivíduo punido serve de “mau exemplo” aos outros, que temem sofrer a mesma punição e ser igual a ele. No entanto, este tipo de punição pode gerar uma grande insatisfação nos indivíduos atingidos se estes acharem que a punição ao “mau-indivíduo” for injusta, por isso, pode haver revolta do grupo de dominados contra os dominadores.
2 – Vigilância por adestramento ou auto - disciplina: esta é própria do sistema capitalista. O indivíduo ao ser incorporado à sociedade capitalista é treinado a obedecer as leis e regras (que não foram criadas por ele) e, mesmo que conscientemente ele não perceba, segue as “normas sociais” e recebe por sua obediência “algo” em troca:

- Em casa, os pais iniciam sobre a criança o obediência cega às ordens, sem que haja a explicação racional dos “porquês”. Além disso, como muitos pais não sabem o “porque” de várias coisas, pois estão apenas reproduzindo o que aprenderam, acabam utilizando-se de violência contra a criança para manter seu exercício de poder.
- Na escola, as posturas e crenças consideradas erradas são modeladas pelos valores burgueses, que estão nos conteúdos, nas ideologias de professores, na forma de relação aluno – instituição, como por exemplo na imposição das regras sobre o comportamento dos alunos. As aulas de educação física servem para disciplinar e também descarregar as tensões sofridas no dia – a – dia. A finalidade da escola deixa de ser o aprendizado da ciência, das artes, do livre-pensar para se tornar a adequação dos corpos ao regime disciplinar.
- Na igreja, há uma troca de obediência/disciplina pela “salvação” e por conforto espiritual (com palavras de incentivo e resignação / conformismo). O sujeito que quer chegar a ser “salvo” deve arcar se frente as ordens que a igreja coloca sobre suas cabeças e nunca questionar nada. Muitas pessoas gritam ou choram nas igrejas, emocionadas com os discursos emotivos dos sacerdotes, aliviando a tensão a que estão sujeitas.
- No trabalho, as ordens são feitas e estamos sujeitos à elas para podermos sobreviver. A hierarquia dos cargos é fundamental para que o orgulho daqueles que tem cargos mais altos (e melhores salários) seja transformado em vigilância sobre os outros indivíduos da empresa. Assim, todos vigiam todos. 
- Na televisão, pela própria característica do meios de comunicação, as mensagens são recebidas sem que possamos respondê-las, o sujeito fica, então, preso a não pensar em como desenvolver as idéias que a TV lhe passa – pois a quantidade de informações é rápida demais para processá-las e criticá-las. Ao se colocar como os “salvadores da sociedade” (propondo resolver os problemas em lugar das próprias pessoas e classes sociais), a mídia elabora, o discurso de conformismo, uma idéia de que o indivíduo deve agir de acordo com os estímulos que os meios de comunicação de massa (MCM) lhe dão, retirando do sujeito a criatividade e o pensamento crítico, deixando-o aberto a receber o exercício do poder da TV, rádio, governantes, patrões, etc. Os MCM reforçam e adestram mais eficazmente para a disciplina que os outros meios criaram.

Assim, ao não questionar nada e obedecer a tudo que lhe é imposto, ele acaba por agradar às outras pessoas, reforçando as relações de poder positivas da sociedade capitalista e aumentando gradativamente seu orgulho por ser um “bom” filho, aluno, beato, trabalhador. No entanto, além disso, a criatividade e o raciocínio do indivíduo são modelados para que ele apenas saiba fazer as coisas sempre do mesmo jeito (como operários de chão de fábrica), e ao não conhecer as possíveis formas de mudança e transformação social, o sujeito passa a ser objeto, pois, perde sua liberdade...
 Nesta forma de vigilância e controle sobre o indivíduo, este sofre uma correção dos hábitos, costumes, credos, valores culturais e posturas (chamados de “errados”) que não são considerados “bons” para a sociedade burguesa, e por isso, são substituídos por outros: os valores clérigos – burgueses, estes, valores ditos “corretos”. Isso dá-se com o aprendizado pelo indivíduo de disciplina (obedecer é fruto de orgulho próprio e, mais importante do que a própria liberdade), hierarquia (a divisão de cargos e funções cria uma escala de quem deve obedecer quem e, a vigilância é horizontal, ou seja, todos vigiam todos), exercícios (é o adestramento pela repetição. Para aperfeiçoar o indivíduo, fazendo-o gostar do que lhe é imposto, repete-se várias vezes o exercício, treinando gestos e posturas, fazendo-o adquirir valores clérigos – burgueses).
É evidente que estas relações de poder não são perceptíveis/visíveis facilmente e nem a todos os indivíduos, mas em muitas vezes, o sujeito se revolta (mesmo sem saber o porque disso) atacando àquele que está mais próximo e que ele identifica como o opressor; exemplo: o aluno, repreendido em casa, no trabalho e nas ruas acaba atacando o professor que ele identifica como inimigo, descontando toda sua raiva social na escola. A partir daí, o sistema de direito e as próprias pessoas se incumbem de tratar destes “delinqüentes”, excluindo-os do convívio social, aumentando a opressão e reproduzindo as relações de poder capitalistas. Para Foucault, a principal função da escola (como da fábrica e da prisão) é DISCIPLINAR o aluno. Assim, o aprendizado dos conteúdos ficam em segundo ou terceiro plano, importando menos do que o receber e o acatar as regras da sociabilidade burguesa.
As idéias do Panopticam não precisam ser utilizadas em conjunto atualmente, podendo ser usados em separado. Exemplos: em um banco ou empresa, onde as divisórias entre os micro - escritórios são baixas ou de vidro, ou ainda inexistem, para que cada um vigie o outro e todos façam seus “trabalhos” sem interrupções, pausas ou relaxamento; quando um novo método de trabalho ou desenho de uma peça vem pronto da matriz (estrangeira), reforçando a relação de que quem tem saber, exerce poder.
Neste mesmo sentido, na escola, o fato de professor trazer o saber já pronto e jogá-lo sobre os alunos; ter palco, para ficar em posição de destaque (acima de todos); estabelecer metas e regras que não condizem com a realidade do aluno; e excluir os chamados “alunos – problemas” do convívio de sala de aula também são formas de continuidade das relações e poder capitalistas.
Mesmo afirmando que a estruturação desses mecanismos de poder que você acabou de ler, são um projeto da burguesia para o mundo, e portanto como todas as regras, tem exceções não é impróprio afirmar que enquanto essas relações de poder não forem modificadas – pelos próprios homens – nada mudará.

Bibliografia:

ARENDT, Hannah. Que é autoridade?, in: Entre o passado e o futuro. SP, Perspectiva, 1.972. Cap. 3, pp. 127 – 187.

Foucault, Michel. Microfísica do Poder (org. e trad.: Roberto Machado). RJ, Graal, 1.999, 14ª ed.. Biblioteca de filosofia e história das ciências, vol.: 07.


________________. Vigiar e punir – nascimento das prisões. (trad. Raquel Ramalhete) Petrópolis, Vozes, 1.998, 17 ª ed..


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