As vilas operárias em São Paulo no início do século 20
Com
a disciplina imposta nas vilas operárias,
a burguesia pretendia fabricar indivíduos produtivos e submissos, pois, as
vilas representam a vontade de impor sutilmente um estilo de vida, através de
punições e normas disciplinares, que regem o trabalhador, em todos os lugares:
do trabalho ao lazer.

As
vilas operárias permitem controlar a economia interna do trabalhador e seu
próprio tempo fora da esfera do trabalho, diminuindo os lugares em que podia
circular. Em 1.916, Jorge Street dizia: “Em redor da fábrica mandarei construir
(...) um grande coreto para concertos, salão para representações e baile;
escola de canto coral e música, um campo de football, uma grande igreja
com batistéiro; um armazém com tudo que o
operário possa ter necessidade para sua vida (...) uma escola para os filhos do operário e creches (...). Quis dar ao
operário (...) a possibilidade de não
precisar sair do âmbito da pequena cidade que fiz construir à margem do rio,
nem para a mais elementar necessidade da vida (...) evitar que freqüentem bares, botequins e outros lugares de vício,
afastando-os especialmente do álcool e do jogo”.
Street
tem claro que deve estabelecer laços
emocionais de dependência paternalista, atingindo a família do operário.
Enquanto que nas fábricas da família Scarpa o modelo de vila operária se
assemelha a uma prisão:
“Patrocinado pela sociedade, que
gratuitamente dá sede, zelador, água e luz, há uma sociedade de futebol
(...) tendo seu campo próprio. (...) Organizam-se festas atraentes sob a
rigorosa fiscalização de seus criteriosos diretores”.
O
futebol também era (e ainda é) usado como forma de controle. O esporte bretão
surge no Brasil como uma prática da elite. Pobre não jogava. Mas após as greves
de 1905 à 1918, a prática do futebol foi liberada para os trabalhadores
(enquanto que a capoeira foi proibida !). O próprio governo estadual fez campos
de várzea para incentivar os operários a se “distrair” - a intenção era eles
pararem de fazer greve ! Para poder jogar nos clubes das fábricas, era preciso
ter contrato de trabalho e ser bom operário. O que significa que os grevistas não
podiam jogar. Tudo para disciplinar e controlar os trabalhadores.
Muitos
séculos antes disso, o império romano criou a política do "pão e circo" para diminuir o interesse dos pobres em lutar por seus direitos. Ao que
parece, a burguesia brasileira da época aprendeu muito bem a lição. Sobre as horas livres do trabalhador, impõem-se recreações
moralizadoras e alienantes, impedindo que cada um use livremente de seu próprio
tempo.
As
vilas eram cercada por muros, e o acesso à ela totalmente controlado e restrito
aos seus moradores. O jornal anarquista “A
terra livre” denunciam que “Os operários são obrigados a morar nas casas da
Companhia (...) têm também de fazer
compras na cooperativa (...), foi proibida entrada aos vendeiros e
padeiros: não há remédio senão comprar no
armazém da fábrica”.
Não
se admitiam mulheres de vida duvidosa, bêbados, nem namoro nos portões, que
eram fechados às 21 h, e na Vila Maria Zélia, com o toque de recolher soando.
Nas vilas, as crianças que freqüentavam as escolas eram formadas pelas idéias
de submissão ao domínio capitalista, denunciava “A Plebe”. Nela se passavam conteúdos altamente repressivos, onde o
industrial, a Igreja e o Estado são elevados à condição de personagens
principais e tornados santos.

Os
regimentos disciplinares também eram externos, como os “códigos de obrigação”
da Fábrica Cedro e Cachoeira que proibiam: “Art.1 – Consentir ou dar em casa
jogos, batuques ou reuniões imorais, consentir bebedeiras, desordens,
espancamentos e tudo o mais que perturbar o sossego público”. “As casas devem
ser lavadas a cada oito dias e cuidadas
umas plantas (...) sob pena de multa. Os
operários que são encontrados conversando particularmente com uma moça, ou são
despedidos, ou obrigados a casar. Quem ri dentro da fábrica é multado” (A Terra Livre).
Ainda
sobre a vigilância, a arquitetura reproduz o modelo inglês: as casas são
dispostas em torno da fábrica, que permite ao industrial a um só olhar vigiar e
controlar o comportamento de muitos. A maioria das vilas tinham casas de tipos
e tamanhos diferenciados de acordo com a categoria dos operários. Um exemplo
disso é a vila de Paranapiacaba
(hoje, distrito de Santo André).